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Santos e as estratégias de escolarização primárias públicas

A análise dos relatórios da Intendência Municipal já no período republicano, aponta as formas de escolarização existentes. É interessante, por exemplo, a justificativa que foi dada para a criação da Biblioteca Pública da cidade, indício que as ideias de instrução e de cidadania caminhavam lado a lado:
Sendo opinião dos grandes pensadores que para haver bom governo é necessário haver instrução do povo; sendo certo que a leitura de bons livros concorre poderosamente para fazer bons cidadãos [...] (Indicação ao Conselho de Intendentes de Santos de 18/08/1891).
Há outras sugestões da importância dada à educação pelos republicanos santistas, mesmo durante o império. O vereador Júlio Conceição[1], por exemplo, pediu, em 10 de janeiro de 1888, que conste no código de posturas a obrigatoriedade do ensino público na cidade. (RELATÓRIO da Intendência Municipal, 1891 p. 77)
No relatório da Câmara Municipal de Santos de 1898, por exemplo, há a afirmação de que:
Instruir o povo é prevenir a ochlocracia, é civilisar o espírito popular, é avigorar a consciência pública. A república só poderá ser comprehendida, só poderá produzir os seus verdadeiros benefícios, quando o povo pela instrução, se capacitar de que agitar, perturbar a Republica é esmagar a própria conquista, mas, para o povo ser grande, para tornar-se majestoso e digno, não lhe é mister derrocar Bastilhas, cumpre-lhe somente conquistar o livro, invadir a eschola. (Relatório da Câmara Municipal de Santos de 1898 p. 26)
Vários outros trabalhos já analisaram o projeto republicano, ou seja porque escolarizar a população: homogeneizar, civilizar, moralizar, para construir a nação republicana. A educação é o eixo principal, no caso da cidade de Santos, observa-se que os mesmos princípios foram defendidos e circulados na construção deste projeto republicano. Soma-se a isto a necessidade de alfabetizar as massas, a nova sociedade republicana precisava de cidadãos instruídos.
A década de 1890 foi de fundamental importância para a educação, no que tange à reformulação da legislação de ensino, e também na criação de novas escolas e prédios escolares. Foi pelas iniciativas dos governantes do Estado de São Paulo que desejavam alinhar o progresso da economia cafeeira com o desenvolvimento de cidadãos paulista, que a instrução ganhou força. Pelo menos é essa a ideia apontada pelo Anuário de Ensino de 1907:
O periodo que decorre de 92 a 97, foi indiscutivelmente um dos mais fecundos na evolução do ensino em S. Paulo; nelle se consolidou a legislação escolar; nelle se operaram os mais assignalados progressos: foi uma época de trabalho, de enthusiasmo e, por isso mesmo, de extraordinário brilho.
Em conclusão, o período de 92 a 97 mereceu o titulo de período áureo da instrucção paulista. (ANNUARIO, 1907-1908, p. 30)
A partir da implantação da República, a instrução pública[2] foi tomada como importante ideal do regime, e diversas medidas foram tomadas para que a mesma fosse expandida. Como o sistema federativo foi o escolhido, cada Estado brasileiro teve autonomia para implantar sua rede educacional de acordo com suas particularidades administrativas e econômicas:
O crescimento da rede estadual de ensino foi impulsionado pelo ideário republicano, pelos lucros da lavoura de café, pela imigração e pela urbanização, mas foi beneficiado, sobretudo, pela Constituição de 1891, que determinou a retenção dos impostos de exportação pelos Estados, ao passo que a União ficou com os impostos de importação, o que aumentou substancialmente a receita do Estado de São Paulo (Lourenço e Razzini,2010, p.498).
No entanto, os documentos consultados mostram que início do período que se estudou, Santos ainda contava com poucas escolas de iniciativa pública:até o final do século XIX a cidade contava apenas com seis cadeiras, além das particulares que já atendiam parte da população:
Contava a Cidade em 1885 duas escolas públicas, com seis cadeiras: três para o sexo masculino e três para o feminino, ocupadas respectivamente pelos professores Joaquim Carneiro da Silva Braga, Tobias Jardim Martins da Silva, Aprígio Carlos de Macedo, D. Gabriela Augusta da Rocha Guimarães, D. Ermelinda Rosa de Toledo e D. Joana Francisca Machado de Macedo. Na Barra havia uma escola, com duas cadeiras regidas pelos professores Daniel Teotônio Ferreira e D. Justina Arouche do Espírito Santo (RODRIGUES, 1973 p.73).

Somente em 1902 haveria de fato uma expansão no número de cadeiras por iniciativa da municipalidade, quando a cidade passou a ter 25 escolas públicas.
A tabela seguinte apresenta um levantamento das escolas criadas entre 1902 e 1908 pela Intendência Municipal.
Tabela 1: Escolas municipais de instrução primária criadas em Santos entre janeiro de1902 e fevereiro de 1908


ESCOLAS
ANO
PROFESSOR NOMEADO
LEGISLAÇÃO DE CRIAÇÃO
1.
Escola Municipal Noturna (1ª zona)
1902
Francisco Rodrigues de Melo (Ramiro Vianna)
Sem informações
2.
Escola Municipal Noturna (2ª zona)

1902
Olyntho Paiva
Sem informações
3.
Escola Municipal Noturna (3ª zona)

1902
Archimedes Ferraz Moreira
Sem informações
4.
Escola Municipal Noturna de Villa Mathias (4ª zona)
1902
Antonio de Oliveira Passos Sobrinho
Sem informações
5.
Escola Municipal Noturna (5ª zona)
1902
Ramiro Vianna (Francisco Rodrigues de Melo)
Sem informações
6.
Escola Masculina do Bairro da Bocaina
1902
VirgilioSchutelAmbramer (José Alves de Melo)
Sem informações
7.
Escola Feminina do Bairro da Bocaina

1902
Isabel Sampaio
Sem informações
8.
Cadeira do ensino primário feminino no Bairro da Ponta da Praia
1902
Pedrina Fernandes Pimentel
Sem informações
9.
Cadeira do ensino primário feminino no Bairro do José Menino
1902
Rosa Victor de Almeida
Sem informações
10.
Cadeira de instrução primária para o sexo masculino no Bairro da Cachoeira
1902
Gabriel Bento de Oliveira Filho

Sem informações
11.
Escola de instrução primária do sexo masculino no Bairro do José Menino
1903
João Christiano de Oliveira
Sem informações
12.
Escola mista de instrução primária na Vila Macuco
1903
Herothildes dos Santos Lima
Lei Municipal n. 193, de 23/11/1903.
13.
Escola de instrução primária do sexo masculino do Bairro Juqueí
1904
Manoel Ferreira de Mattos
Lei Municipal n. 196, de 9/03/1904.
14.
Escola mista de instrução primária no Bairro da Enseada de Santo Amaro
1906
Rita de Nardis
Lei Municipal n. 211, de 14/03/1906.
15.
Escola de instrução primária para o sexo masculino no Bairro da Bertioga
1906

Lei Municipal n. 242, de 11/11/1906. Salário do professor: R150$000.
16.
Escola mista de instrução primária no Bairro Nova Cintra
1907
Afonsina Proost de Souza
Lei Municipal n. 272, de 03/07/1907. Salário do professor: R200$000 e de Itutinga: R150$000
17.
Escola de instrução primária para o sexo masculino no Bairro Itutinga - Cubatão (suprimida no início do ano seguinte)
1907

Leis Municipais n. 272, de 03/07/1907 e 273 de 10/07/1907. A primeira criou uma escola mista, a segunda a revogou e criou uma para o sexo masculino.
Lei Municipal n. 291, de 02/01/1908.
18.
Escola de instrução primária para o sexo masculino na Rua Marques de Herval (a ser suprimida quando for criado o Grupo Escolar na região)
1907

Lei Municipal n. 274, de 31/07/1907.
19.
Escola mista de instrução primária no bairro Vila Macuco
1907

Idem
20.
Escola mista de instrução primária (zona compreendida entre Avenida ConselheiroNébias e Paquetá)
1907
Semiramis Moreira Domingues
Lei Municipal n. 282, de 13/11/1907. Salário: Rs200$000
21.
Escola mista de instrução primária (zona compreendida entre as ruas General Câmara, Luiza Macuco, Av. Conselheiro Nébias e Rua do Rosário – lado do mar)
1907
Judith Bittencourt Brito
Lei Municipal n. 287, de 27/11/1907.
22.
Escola mista de instrução primária no Bairro do Cubatão
1907
Anna Dias Pinto e Silva
Lei Municipal n. 290, de 27/11/1907.
23.
Escola mista de instrução primária na Rua de São Bento ou imediações
1908
Candida Flora de Oliveira
Lei Municipal n. 292, de 02/01/1908.
Fonte: VIEIRA, 2011, p. 73 - Atas da Câmara Municipal e Livro de Registro de Leis do período.

Nos documentos analisados conseguimos identificar a criação de vinte e três escolas pela municipalidade,  além do nome de dezenove docentes que atuaram nas mesmas.
Entre esses professores, nove eram do sexo masculino e dez do sexo feminino. Os homens lecionavam nas escolas noturnas e masculinas enquanto as mulheres o faziam nas escolas mistas e femininas.
Não foram criadas escolas somente na área urbana de Santos, mas também nos seus arrabaldes, como Bocaina, Ponta da Praia, José Menino, Cachoeira, ou seja, localidades distantes do centro urbano, próximas à Barra, que nesse período passava a receber relevante número de moradores.
Bairros operários como a Vila Mathias, Vila Macuco e Nova Cintra, habitados principalmente por imigrantes e trabalhadores portuários, também foram contemplados.
Também receberam escolas municipais localidades que hoje já não fazem mais parte de Santos, constituindo cidades emancipadas, como Santo Amaro (Guarujá), Cubatão e Bertioga.



[1]Júlio Conceição foi comerciante na Praça. Vereador à Câmara Municipal, exercia a presidência em 1889, quando a 21 de novembro, em sessão histórica, foi votada moção de solidariedade e apoio ao Governo Provisório de Deodoro da Fonseca. Ainda fez parte do Conselho de Intendência nos exercícios de 1891 e 1892. Diretor do Banco Mercantil em 1899, Provedor da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de 1897 a 1901 e um dos fundadores do Asilo de Órfãos, hoje Associação Casa da Criança. [...] Nomeado testamenteiro de João Otávio dos Santos, publicou uma monografia em que prestou contas de todos os bens e haveres deixados pelo criador do Instituto D. Escolástica Rosa. Esse varão ilustre, grande botânico, faleceu em Santos a 10 de dezembro de 1933. (RODRIGUES, 1975, p. 377)
[2]Definem-se como iniciativas públicas aquelas que nascem de ações do próprio governo, motivadas por representantes políticos ou, ainda as iniciativas oriundas de reivindicações populares e organizadas pelo poder público (ABREU, 2013 p. 89). 

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