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Escolas de trabalhadores e operários

Na virada do século XIX para o XX, Santos era uma cidade predominantemente comercial[1]. Sobre a questão social, operária e trabalho em Santos foram consultados trabalhos elucidativos, como a monografia de Katherine R.N. Andrade, “Porto de Santos: o surgimento da cultura de resistência à globalização”, que trata da formação de um movimento operário na cidade de Santos, que passou a reivindicar melhores condições de trabalho e vida.
Campos e Gomes (2007) apontam o pioneirismo de Santos nas lutas operárias e na “questão social” da República Velha. “A cidade de Santos, pela zona portuária, foi palco de numerosas greves e de grupos de esquerda importantes” (p. 06). Ressaltando a importância da presença dos imigrantes estrangeiros e os anos de lutas para as conquistas trabalhistas, os autores elencam as diferentes greves dos trabalhadores portuários em Santos, noticiadas em jornais operários como La Bataglia e Avanti: a de 1891, dos empregados nos escritórios e telegrafistas da São Paulo Railway; a de 1896-97, de chapeleiros de São Paulo, articulados pelo Centro Socialista; a de 1905, dos estivadores santistas; a greve de 1908, de todos os empregados da Docas pela jornada de oitos horas, que se alastrou pelos carroceiros e ensacadores de café; e a de 1912, no qual todos os serviços das Docas são paralisados, sendo os grevistas reprimidos severamente pela polícia, que chegou a saquear a Federação Operária de Santos.
Como exemplo das condições de trabalho podemos ver na figura 3, inúmeros estivadores transportando sacas de café para o interior de um navio. Os trabalhadores eram submetidos a exaustivas horas de trabalho, carregando mais de 60 quilos de café por vez, muitas vezes em ambientes insalubres.
As condições de trabalho, exploração, contato com ideais e correntes filosóficas de esquerda firmaram uma classe operária consciente e aguerrida na luta por seus direitos. Foram diversos os movimentos por melhores condições de trabalho e greves, ficando, por isso, Santos conhecida como a Barcelona brasileira.
Ghiraldelli afirma que grupos de trabalhadores socialistas fundaram diversos estabelecimentos escolares pelo Brasil, inclusive em Santos[2]:
As “escolas operárias”, fundadas e mantidas pelos agrupamentos socialistas, se desenvolveram em vários estados brasileiros. A imprensa operária registrou o funcionamento desses estabelecimentos. Em Santos (SP), por exemplo, o grupo de socialistas ligados ao jornal-revista A Questão Social fundou uma escola para trabalhadores:
‘Escola Barnabé – em breve começarão as obras dessa escola. A Infância pobre, no futuro, há de reconhecer os serviços que lhe prestarem espíritos bem intencionados, socialistas... espontâneos” (Questão Social, 1895)
Existiram ainda associações e escolas próprias dos operários e trabalhadores santistas, que contaram em seus quadros com muitos imigrantes, como é o caso, por exemplo, da Sociedade União Operária, da Escola do Povo, da Sociedade Auxiliadora da Instrução e da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio.
A Sociedade União Operária manteve escola, biblioteca e cursos, atendendo diversos operários e seus filhos, e tinha como um dos principais objetivos de seu estatuto o “engrandecimento cultural do operário”:

Nascida em uma cidade portuária, que estava se modernizando, a Sociedade foi fundada por um grupo de operários e mestres-de-obras da construção civil, alguns de inspiração anarquista, com sócios em grande parte imigrantes: portugueses, espanhóis e, em menor escala, italianos. Em 1902, possuía 1.700 sócios. Entidade de auxílio mútuo e instrução (saúde,funeral, desemprego, crédito, recursos jurídicos),
colocava a formação cultural em destaque (PEREIRA, 2009 p. 69).


O pioneirismo de Santos nas lutas operárias e na questão social da República Velha, bem como a influência da presença dos imigrantes estrangeiros e os anos de lutas para as conquistas trabalhistas, são apontados em trabalhos como e de Campos e Gomes. Os autores citam como exemplo a greve de 1889, na qual trabalhadores, sob a liderança de um português e um espanhol, marcharam pela cidade munidos de paus e revólveres (CAMPOS E GOMES, 2007, p. 07).
As notícias citadas acima são exemplos de como os ideais não circulavam apenas nos locais de sociabilidade próprios dos imigrantes, mas extrapolavam os limites da colônia. Os jornais são exemplo da circulação de ideias e da formação e de auxílio na luta dos trabalhadores.
Martins (2010) aponta a presença de espanhóis a frente da redação de diferentes jornais destinados aos operários, A Terra Livre, O LibertárioO Socialista, O Grito del PuebloEl ProgressoO Jornal Operário, dentre outros. Já Costa (2012) apresenta periódicos operários dirigidos por nacionais na capital federal, como A Voz do Povo (1890), O Despertar (1893), A Nova Revista (1896) e O Liberalista (1899).
Algumas associações de auxílio mútuo e instituições beneficentes também se organizaram para oferecer educação para seus associados.
A Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, associação de auxílio para os comerciários, foi criada e 1878 e manteve uma escola para seus associados e filhos, além de uma imponente biblioteca, existente até os dias de hoje.
Na Sociedade União Operária, fundada por mestres de obras e operários em 1890, também funcionou uma escola destinada à educação dos trabalhadores e seus filhos:
A Sociedade União Operária iniciou as atividades escolares em 1º de agosto de 1890, oferecendo curso noturno para os operários e seus filhos maiores. Em 22 de janeiro de 1906, foi inaugurado o curso primário somente para meninos e, dois anos depois (1908), o curso primário feminino (PEREIRA, 2012, p. 205).
No estatuto dessa associação, a educação era uma das principais finalidades:
Criar escolas de instrução primária e secundária e de artes e ofícios para os associados e seus filhos, para os filhos dos associados falecidos e para os dos proletários e operários que viveram sem recursos (7); manter uma biblioteca para gozo exclusivo dos associados (6); promover conferências que aproveitem ao adiantamento moral, intelectual e econômico dos associados (apud PEREIRA, 1996, p. 95).
Outra escola atuante era a da Sociedade Auxiliadora da Instrução, criada em 1900. PEREIRA (1996) nos informa que o fim dessa associação era instruir o “povo ignorante” e:
Difundir gratuitamente a instrução primária, em aulas noturnas, montando outros cursos, quando seus recursos o permitam, assim como uma biblioteca pública. Seu desejo é a criação de novos institutos de instrução que possam elevar Santos ao nível das mais adiantadas cidades do Estado(p. 119).
O Liceu Feminino Santista foi fundado em 1902 pela educadora Eunice Caldas e mantida pela Associação Feminina Beneficente e Instrutiva. Essa escola manteve instrução primária e, mais tarde, uma Escola Normal.
A Associação dos empregados da Companhia Docas de Santos também manteve uma escola para os filhos dos funcionários da poderosa empresa da região. Foi fundada em 1907 com cursos diurnos e noturnos.

Com a República, a Igreja Católica, apesar de todos os problemas,tomou consciência deque tinha agora liberdade de ação, e se ocupou em diversas iniciativas educacionais, procurando conservar seus valores frente às mudanças que trazia o novo regime:

A Igreja via nesse período de transição como um todo: atrás de cada pretensão liberal ou mudança, por menor que fosse, estava o perigo de uma ruptura ou de uma destruição dos quadros de valores tradicionais. O mais simples era fechar-se completamente ao diálogo e à participação. E quanto mais fervia o caldo de cultura, mais a Igreja denunciava nela bacilos de toda espécie e procurava a imunização, trancando-se na redoma de um antiliberalismo ferrenho ou de um ultramontanismo coerente (LUSTOSA, 1977, p. 41).

A Igreja Católica também atuou na educação santista. Tais iniciativas demonstram o esforço da Igreja em preencher os espaços educativos na cidade de Santos, dada a importância da educação no projeto católico, como nos ensina Cury:

A Educação é vista como sendo o veículo indispensável para que a cura do mal se dê. Sem ela não haverá restauração e os espíritos continuarão descrentes e agnósticos. A condição sinequa non da restauração é a presença de Deus na escola(1988, p. 54).

Além do pioneiro Colégio dos Jesuítas, manteve por muitos anos escolas no Convento do Carmo e na Ordem Terceira do Carmo. No ano de 1904, por iniciativa do clero santista, foram instaladas duas escolas confessionais: o Colégio Santista, dirigido pelos Irmãos Maristas, e o Colégio Coração de Maria, dirigido pelas Irmãs do Coração de Maria.
A documentação destas e de outras escolas na cidade não se encontram organizadas ou disponibilizas para a pesquisa, portanto temos poucas informações sobre o funcionamento destas escolas. Contudo, é de fundamental importância seu estudo para a compreensão deste tipo de educação no período. Cremos ser relevante a necessidade de mais pesquisas sobre a educação na cidade de Santos, procurando localizar e analisar a documentação interna destas instituições.



[1]No Censo de 1913, foram computados 9161 empregados no comércio e classes correlatas, além de 8708 empregados no transporte e comunicação, ao lado de apenas 2996 trabalhadores rurais, dentro de um total de 38750 trabalhadores. Este mesmo Censo apontou que grande parcela estava empregada no Comércio Exterior e em Casas Comissárias de Café. Constituíam cerca de um terço do total de comerciários.

[2]A referida Escola Barnabé foi criada pelo Estado e só iniciou seu funcionamento em 1902, contando com o socialista Carlos Escobar como seu primeiro diretor.

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