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Contexto geral da instrução em Santos na virada do século XIX para o XX

Santos é uma das povoações mais antigas do Brasil, mas até o início do século XIX foi uma vila pequena e sem grande expressão, assim como São Paulo. Fica situada em uma ilha a aproximadamente 70km da capital do Estado, é dotada de um estuário com acesso ao mar aberto, o que possibilita um porto favorável à atracação de embarcações. Uma exígua população viva do que produzia o mar, de pesca e atividades econômicas como a extração do sal marinho e a comercialização do óleo de baleia.
No final do período colonial a cidade se tornou importante com a construção do seu porto, local de escoamento da produção canavieira. No entanto, seu maior crescimento se deu no período imperial, quando passou a comercializar e exportar café:
 “A expansão do cultivo de café e as riquezas advindas desse comércio fizeram o país experimentar notável impulso de progresso e de transformações sociais. As cidades que estivessem no caminho desse sistema exportador sofreriam enormes transformações. Suas funções seriam redefinidas e seus espaços internos redistribuídos”. (SANTOS 2008 p. 26)
Na década de 1830, com o deslocamento do centro dinâmico da economia cafeeira para o Planalto Paulista, o porto de Santos assumiu uma posição cada vez mais estratégica na economia nacional. Foi graças a ele que Santos se desenvolveu e ganhou importância por suas atividades comerciais, ainda no início do século XIX com o início da exportação do açúcar produzido no interior da Província de São Paulo, embora só tenha conhecido a prosperidade após sua escolha como “O porto do café” [1].
processo de urbanização, em 1878, já era uma realidade. Em Santos funcionava: sete consulados,o americano, inglês, francês, italiano, belga, alemão, português; um banco inglês, duas igrejas; dois cemitérios, um público e um protestante; na área da saúde, a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Português; duas fábricas (cal e sabão) e um curtume; na área do transporte, além do porto, havia trem e bonde; hotel; caixa d’agua; alfandega; correio; loja maçônica e a cadeia. O que chama atenção é que uma escola é apresentada, a de aprendizagem para a marinha, nenhuma outra instituição escolar é indicada. Talvez isto mereça uma boa problematização, como uma cidade em crescimento exponencial, ou seja, um grande centro urbano da época dê tão pouca visibilidade aos espaços educacionais, como biblioteca, escolas, etc.?
Até o final do século XIX a cidade de Santos limitava-se a área central conforme é apresentado no mapa da figura 1, podemos perceber que o crescimento se dá em torno do porto, basta ver a localização da rede de transporte, do comércio local e para as exportações. Todo este crescimento produziu demandas de infraestrutura e serviços para a população que também aumentou bastante, como por exemplo, lazer, moradia, água potável, saúde e educação.
Por causa das péssimas condições da cidade, Santos frequentemente era vítima de severas epidemias. O porto não estava preparado para o embarque do crescente número de sacas de café. A população possuía hábitos a serem modificados, incompatíveis com o que se pretendia em termos de “civilização”.
A expansão urbana e a modernização da cidade só tiveram maior impulso a partir da incrementação do já movimentado porto, com o crescimento das exportações do café.A busca pelo saneamento, urbanização e embelezamento da cidade estavam intimamente relacionados à tentativa de evitar que fossem prejudicadas as exportações, o comércio local e os grandes produtores de café. Assim, a cidade cresce e se moderniza como consequência do comércio de café.
Embora já existisse preocupação com as mudanças necessárias à cidade, na passagem do século XIX para o XX a municipalidade não dispunha dos recursos necessários para implementá-las. O café trazia grandes dividendos para as esferas estadual e federal. Frente ao possível prejuízo pela falta de investimentos na infraestrutura da cidade. Neste sentido, houve uma intervenção da União para a modernização do porto, construção do cais, saneamento básico da cidade. Tudo isto visando a melhoria do comércio e exportação do ouro negro brasileiro, o café.
Os grandes desafios enfrentados na cidade nas primeiras décadas do século XX eram: a erradicação das epidemias,  que por mais de sessenta anos, assolavam a cidade; e, a preparação da infraestrutura urbana e humana para o aumento do comércio e a crescente exportação do café. O início da construção dos canais foi em 1907, o que ajudou a resolver a questão das inundações da cidade.
A cidade crescia em número de construções e também em população. Ainda não havia uma rede de ensino, mas diversas inciativas escolares, independentes e na maioria particulares. Procuraremos analisar tais iniciativas para conhecer como se dava a escolarização na cidade.
Como vimos anteriormente, não figuras 1 e 2, no mapa e planta da cidade de Santos, na virada dos séculos XIX para o XX, as informações sobre escolas praticamente não aparece. No entanto, quando foi instalada as Intendências, constatamos pelas atas que inúmeras escolas foram criadas, muitas empreendidas pelo poder público.
Nos anos de 1902 e 1907, o número de cadeiras de instrução primária administradas pela municipalidade aumentou de cinco para vinte e cinco. Em 1900 foi criado o Grupo Escolar Cesário Bastos, o primeiro da cidade, e, em 1902, o Grupo Escolar Barnabé. Surgiram ainda diversas instituições de diferentes grupos organizados pela sociedade civil organizada, umas mantidas por associações de auxílio mútuo, como a Sociedade União Operária e a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, outras por Centros de Nacionalidade como o Centros Espanhol, outras pensadas para serem escolas de formação profissional, como a Academia de Comércio de Santos e o Instituto Escolástica Rosa, além das escolas confessionais[2].
O aumento da procura por educação está relacionado também com o crescimento demográfico, tendo em vista que no final do século XIX, a cidade de Santos foi invadida por imigrantes e migrantes em busca de trabalho. O grande número de estrangeiros pode ser percebido na composição dos alunos das escolas da cidade, como por exemplo:
Assim, em 1924 (um pouco além do período aqui abrangido) no Grupo Escolar “Barnabé”, da rede estadual, de 463 alunos matriculados, 310 são filhos de estrangeiros (153 brasileiros, 140 portugueses, 79 espanhóis, 66 italianos, 3 sul-americanos, 2 chineses, 3 japoneses, 3 outros. (PEREIRA, 1996, p. 59)
No entanto, a insuficiência da instrução dada à população já vinha sendo denunciada. Em artigo escrito no jornal Diário de Santos, datado de 20 de junho de 1894, o professor Carlos Escobar[3], cobra a aplicação de recursos para a instrução primária da população. Ao se referir à intenção da Câmara de criar uma Academia de Comércio, critica o emprego de valores para a abertura de uma escola superior, quando, segundo ele, a instrução primária ainda era precária.
Grupos de políticos apoiados pelos poderes do Estado e do município se confrontavam por interesses políticos e econômicos. O Município buscava sua autonomia, enquanto o Estado utilizava-se de seus poderes constitucionais e prerrogativas legais para atuar de forma centralizadora
Foi no período de 1890-1896, em São Paulo, que o regime republicano paulista liberal-democrático procurou implantar uma estrutura de ensino público capaz de consolidar a construção de um Estado Democrático. O notável esforço foi, então, realizado na criação de escolas públicas de todos os níveis e graus. Esforço esse que perdurou, enquanto se manteve a crença no papel da educação como instrumento de reforma pública. (REIS FILHO, Casemiro, 1981, p. 4)
Diversas tensões se revelam na criação de escolas. Por exemplo, o comerciante santista Barnabé Francisco Vaz de Carvalhal, deixou em seu testamento, em 1892, uma dotação para a criação de uma escola pela municipalidade. Contudo tal instituição só foi efetivamente colocada a funcionar em 1902, dez anos depois do legado e dois anos depois da criação do primeiro Grupo Escolar de Santos, o Grupo Escolar Cesário Bastos de 1900, por iniciativa do Estado de São Paulo . Além disso, apesar da crescente demanda e das diversas iniciativas particulares de criação de escolas o terceiro grupo escolar só foi criado em 1915.
Nesse sentido é esclarecedor o trabalho de Rosa Fátima de Souza (1998), que demonstra que a educação até então realizada tanto pelos particulares como pela a esfera pública, na República a gratuidade, a obrigatoriedade passa a ser um dos grandes compromissos por parte dos governos, ampliando os espaços públicos de instrução para a população e deixando de ser uma extensão da casa. Prédios com a finalidade específica para receber as escolas foram construídos, o propósito era deixar para traz os espaços improvisados, vivemos neste período a saída de “palafitas para os palácios”, infelizmente esta escola não chegou para todos nem nas cidades mais urbanizadas.
A casa-escola deveria refletir o papel social da instrução primária e os valores atribuídos à educação. Ela haveria de ser, antes de tudo, uma força moral e educativa(...) O edifício-escola deveria exercer, portanto, uma força educativa no meio social. (1998, pp. 122-123)
Essa discussão de um tempo e de um espaço próprios para a escola, pode se relacionar com a questão da construção de salas e prédios específicos para a educação em Santos, especialmente a Escola Barnabé e a Academia de Comércio de Santos.
Símbolos, ornamentos, monumentalidade: todos esses elementos da retórica arquitetônica dos primeiros edifícios dos grupos escolares exerceram uma função educativa dentro e fora da escola. Além disso, foram instrumentos importantes para a construção da identidade da escola primária. Devem, portanto, ser vistos como expressões do movimento da escola na construção das cidades e da cultura daquela época (SOUZA, 1998, p. 138)
No caso de Santos os grupos envolvidos com a educação vai defender uma concepção de escola, como apresentaremos mais adiante.
Para compreender o processo histórico da escolarização em Santos tomares alguns trabalhos acadêmicos produzidos nas últimas décadas que abordam como se deu transformações político, sociais de Santos. Pereira (1996), que em seu livro tratou da educação popular na passagem do século XIX para o XX e por autores como Andrade, em sua tese O discurso do progresso: a evolução urbana de Santos 1870-1930 (1989), Gitahy em seu livro fruto de sua tese Ventos do Mar. Trabalhadores do Porto, Movimento Operário e Cultura Urbana Em Santos, 1889-1914(1992) e o livro de Lanna, Ventos do Mar. Trabalhadores do Porto, Movimento Operário e Cultura Urbana Em Santos, 1889-1914 (1996), que se debruçaram sobre as modificações na composição da população santista, bem como as alterações no modo de viver na cidade,.
Do ponto de vista específico das iniciativas educacionais empreendidas em Santos no século XIX e início do XX, não localizamos nenhum estudo, mas temos uma larga produção realizada por outros pesquisadores brasileiros, entre eles apontamos o livro de Gondra e Schueller, intitulado, Educação, poder e sociedade no Império brasileiro, 2008, lançado pela editora Cortez e compõe a Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira. A proposta deste livro foi produzir uma síntese da história da educação no Brasil Imperial, os autores apoiaram em pesquisas acadêmicas e em várias fontes documentais tais como: relatórios de província, textos oficias, etc.
O recorte temporal que a obra abarca vai de 1822 a 1889 e tem por objetivo geral levantar e analisar as estratégias e os sujeitos que se envolveram diretamente na mobilização e implementação de ações educativas no Império. No primeiro capítulo, intitulado Formas do Brasil e formas de educação, aborda a discussão sobre a heterogeneidade e a diversidade que marcaram o processo de configuração da forma escolar brasileira, explicitando os cenários de diversas disputas políticas e sociais. Os modelos escolares foram tomados a partir de uma breve análise sobre como se o processo de apropriação dessas referenciais que circularam na sociedade oitocentista, marcado por uma multiplicidade de formas educacionais empreendidas tantos pela sociedade civil organizada no período como pelo poder público Imperial. O principal argumento desenvolvido por Gondra e Schueller, é que a escola foi uma dimensão central e fundamental no processo de formação do Estado e da nação. Neste sentido, a escolarização se colocava, por um lado, pela a necessidade de construção de uma identidade cultural, e, do outro, pela necessidade de se formar quadros dirigentes para ocupar posições importantes para a implementação do próprio governo Imperial.
As lutas por projetos políticos diferentes se colocaram neste processo, refletindo na multiplicação de formas de constituição da educação no Brasil. No primeiro capitulo, foi ainda dado ênfase em como o Estado Imperial foi se consolidando também a partir das várias manifestações de práticas educativas.
No segundo capitulo, intitulado de: As forças educativas, Gondra e Schueller descrevem e analisam quais foram os processos e os sujeitos envolvidos na instrução elementar. Para isso, foram definidos três formas para olhar estas duas dimensões, na perspectiva do Estado, da Igreja e da Sociedade Civil.
No Estado Imperial, foram produzidas leis importantes no sentido de consolidar a autonomia e promover o desenvolvimento da nação. A instrução do povo foi vista como condição para construir um Estado civilizado e moderno. A ação empreendidas pelas forças religiosas, foram segundo os autores exerceram um papel imprescindível na difusão da instrução no Império. O Estado Imperial e a Igreja articularam várias estratégias no sentido de realizar a instrução, na linha da filantropia e beneficência.
A instrução pública figura como demandas e também como proposições empreendidas pela sociedade civil, tais como: associações, sociedades filantrópicas, grêmios, etc. Aparecem como espaços criados e destinados à instrução de adultos trabalhadores, mulheres, crianças, negros libertos, estrangeiros. Também funcionavam como estratégia de aproximação entre as elites políticas, as camadas médias urbanas e o povo de uma maneira geral. É interessante, a maneira como os autores apresentam as propostas de cada um desses segmentos e também a dinâmica que foram ora aproximando, ora associando, ora contrapondo, as iniciativas do Estado, da Igreja e da Sociedade Civil, enfim, demonstrando como elas se colocaram como importantes iniciativas de instrução no Brasil do século XIX.
No capítulo três, As formas educativas, apresenta as especificidades, particularidades e singularidades que as formas de ensino constituídas no Brasil assumiram, bem como as articulações estabelecidas ou não entre estas mesmas formas, desenhando assim como se deu a instrução no período imperial. Gondra e Schueller apresentam como se deu o surgimento e o desenvolvimento da escola elementar, enfocando: a instrução dos excluídos; os das instituições confessionais e dos internatos; das escolas secundárias e superior; das escolas militares; e, também das escolas de belas artes e de música. O que fica evidente é uma multiplicidade de formas voltadas para a instrução de diferentes grupos sociais, demonstrando assim como a trama social do Estado Imperial foi delineada, na qual a educação e a escola estavam presentes.
Os sujeitos da ação educativa, é o quarto capítulo desta obra, que tem por objetivo apresentar e analisar quem são os atores e que papéis desempenharam no contexto da instrução elementar no Brasil Imperial. Aborda a discussão sobre o processo de profissionalização docente, o papel do Estado Imperial neste contexto, dá também destaque sobre a entrada das mulheres tanto como alunas como professoras no cenário educacional brasileiro. O acesso dos negros à escola pública, as legislações produzidas para tentar “civilizar” o indígena, tendo a escola como instrumento privilegiado, foram ações destacadas pelos autores.  Ao final do capítulo os autores tematizam a questão da construção da categoria infância.
No último capítulo, Desafios para a História da educação, os autores, fazem considerações sobre o papel deste livro em dar visibilidade à heterogeneidade de sujeitos, formas, espaços e práticas educativas formais e informais que coexistiram nesse tenso jogo de relações de poder.
No trabalho de Hilsdorf (2003), a autora analisa como os republicanos apropriaram-se da educação como um ideal, buscando implementar um “projeto de educação”:
a educação pelo voto e pela escola foi instituída por eles (republicanos) como a grande arma da transformação evolutiva da sociedade brasileira, e assim oferecida em caução do progresso prometido pelo regime republicano: a prática do voto pelos alfabetizados e, portanto, a frequência à escola que formaria o homem progressista, adequado aos tempos modernos, é que tornariam o súdito em cidadão ativo. (HILSDORF, 2003, p.60)

A escola representaria, como também foi sinalizado por Gondra e Schueller (2008), um importante papel, funcionando como o local específico dessa transformação e da construção de um novo modelo de homem, cidadão e mesmo da nação brasileira:
“A educação escolar foi instituída por eles como a grande arma da transformação evolutiva da sociedade brasileira, e assim oferecida em caução do progresso prometido pelo regime republicano: a escola tornava o súdito em cidadão, i.e., no homem moderno e progressista.” (Hilsdorf, 2003, p. 54-5).

Vemos que diferentes formas de compreender a educação conviviam no período, monarquistas, republicanos, diferentes grupos sociais percebiam a educação como forma de firmar-se socialmente ou para resolver seus problemas. A seguir procuramos identificar especificamente as principais ações e instituições educativas criadas e mantidas na cidade.



[1]A expansão das áreas produtoras cafeeiras do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista privilegiou Santos como porto de exportação reduzindo os gastos e o tempo da viagem.

[2]Relatório da Câmara Municipal de Santos, SP, 1908, p. 48.
[3]Foi professor e Diretor dos Grupos Escolares Cesário Bastos e Barnabé, além de Inspetor Escolar.

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