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Meu trajeto de formação.

 

O processo para escrita deste presente memorial (escrito para o I Simpósio de Educação de Praia Grande) serviu para uma autoreflexão, movimento importante tanto para a vida profissional quanto para a pessoal. No caso do educador essas áreas são ainda mais interligadas, pois é a personalidade do docente que cativa e motiva os alunos no processo de aprendizagem. Como diz o poeta espanhol, “o caminho se faz ao caminhar” e  nem sempre os trajetos são previamente planejados e as ações meticulosamente organizadas, mas ao longo da vida, por conta das circunstâncias, da maturidade, por exemplo as escolhas são tomadas, e por isso é ao olhar para trás, distante no tempo, depois de anos de caminhada que se consegue perceber um trajeto propriamente.

Sou nascido em São Bernardo do Campo em 1980, e resido na região da Baixada Santista há três décadas. Neto e bisneto de imigrantes, meus pais e avós se esforçaram em mostrar a importância do estudo para escapar do serviço pesado do comércio, da cozinha ou da lavoura de café como o que eles partilhavam. Assim, desde muito cedo fui incentivado a ler, inicialmente pelas histórias em quadrinhos, depois por meio dos clássicos juvenis, o importante era adquirir o gosto pela leitura.

Minha avó vivia dizendo que quem muito dorme pouco aprende e que a caneta é mais leve do que a enxada, meu padrinho sempre trazia um livro de presente quando nos visitava, a biblioteca do meu tio era um parque de diversões aberto para empréstimos de livros desde literatura até autoajuda, e a conta da banca de jornal para as HQs era liberada por meus pais. Desde cedo aprendi que não devia esperar que me “ensinassem”, mas buscar atingir meus objetivos, mesmo os intelectuais, por mim mesmo, acordando cedo, me esforçando, buscando os doces frutos por meio do amargor do estudo.

Essa foi a principal lição que tive, e muito importante para “sobreviver” a todos os anos nas escolas públicas nas décadas de 80 e 90. Digo isso pois desde a educação infantil até o final do Ensino Médio cursei em escolas estaduais ou municipais, com a qualidade questionável típica do período, ainda que eu possa lembrar de heróicos professores que se esforçavam em fazer o seu melhor mesmo com falta de recursos.

Assim, complementando as falhas da formação por meio dos livros e revistas cheguei ao fim do ensino regular e precisava pensar na faculdade, sonho que minha mãe, mesmo com as dificuldades de uma quituteira que sustentava a família com seu artesanato e seus doces, fazia questão para os filhos.

Talvez por conta dos anos como catequista e coordenador no grupo de jovens da Igreja, fiz a opção por cursar Filosofia pensando em ser professor. Contudo, acabei por seguir o conselho da família e me inscrevi para o Direito, passando no vestibular e cursando a Universidade Católica de Santos.

No início estudava e ajudava minha mãe em suas produções no contraturno para pagar a faculdade, e a partir do terceiro ano consegui fazer estágio na área da advocacia. O temível exame da Ordem foi vencido por mim já na primeira tentativa, assim logo depois de formado dividi escritório com um amigo da faculdade.

Depois de formado advoguei por cinco anos na área civil e trabalhista. Mas, insatisfeito com a profissão, no ano em que viria a me casar, decidi buscar o antigo projeto de lecionar e me inscrevi para o curso de História.

A idéia inicial era ser professor por um período e manter a advocacia no outro. A partir do segundo ano, pela quantidade de aulas de filosofia no curso de Direito, me inscrevi como professor eventual numa escola estadual de Praia Grande. Assim lecionava de manhã e a tarde advogava, mas já na certeza de que a docência era o caminho que devia seguir. Foi quando, no terceiro ano da faculdade recebi o convite para estagiar na Fundação Arquivo e Memória de Santos, instituição que cuida do acervo histórico do município. Decidi, então deixar a advocacia, e me dividir entre as aulas pela manhã, o trabalho no arquivo histórico a tarde e a faculdade a noite.

Neste mesmo ano, seguindo o incentivo de uma professora da área pedagógica, a professora Marina, comecei a participar de um embrionário grupo estudos, que hoje é Grupo Interdisciplinar de Estudos Culturais de Santos, com o objetivo dar continuidade aos estudos após a faculdade e fazer o Mestrado. A área escolhida foi a Educação, mais especificamente a História da Educação, e o pouco tempo livre era dedicado a leituras e pesquisas para a Iniciação Científica e o grupo de estudos.

Foi esse trabalho com a Professora Marina, e as pesquisa e leituras para a Iniciação Científica, que possibilitaram a visita a um grupo de pesquisa na Universidade de São Paulo, o NIEPHE. Acendeu ali o sonho, até então inatingível, de fazer parte do grupo de alunos da USP.

No ano seguinte a formatura eu já tinha sido aprovado no concurso de professor para a Prefeitura de Praia Grande. Continuava dando aulas de filosofia e sociologia como professor eventual no Estado e em escolas particulares, e no tempo livre estudava para tentar o Mestrado. Neste mesmo ano, aprovado em outro concurso, deixei Praia Grande para lecionar em São Vicente.

O processo seletivo na USP exigia cinco fases, com prova de proficiência em língua estrangeira, analise do currículo, projeto de pesquisa, prova escrita e entrevista. Na primeira tentativa fui reprovado ainda na primeira fase. Mas tentei novamente no ano seguinte e conquistei etapa por etapa até ser aceito como aluno. O sonho se tornava realidade, mas a realidade é dura e conquistada com muito esforço.

Dei continuidade as pesquisas da graduação utilizando como fonte principal fundo documental com o qual trabalhei durante o estágio, assim meu tema foi Educação durante o início da República em Santos, por meio da legislação e dos documentos oficiais.

Como a lei tem suas particularidades e os interesses dos administradores nem sempre são claros, não consegui licença na prefeitura de São Vicente e precisei conciliar as aulas nas escolas municipais com a participação nas disciplinas do Mestrado em São Paulo e a pesquisa para a Dissertação. Não existia tempo livre, e as leituras se davam entre uma turma e outra, nos intervalos, no trajeto entre um escola e outra, como era possível. Passou a ser comum estar de manhã na USP para assistir aulas e a tarde em São Vicente para lecionar. No segundo ano no Mestrado fui aprovado em outro concurso e voltei a lecionar no município de Praia Grande, deixando São Vicente e as aulas nas escolas Estaduais.

Conquistei o título de Mestre em Educação na Universidade de São Paulo, na linha de História da Educação e Historiografia. Durante o mestrado tive a oportunidade de participar do grupo de pesquisas, escrever artigos e participar de congressos nacionais e internacionais. No mesmo período preparava atividades e avaliações e lecionava para alunos do ensino fundamental e médio. A experiência da pós graduação me trouxe muito conhecimento, a oportunidade de publicar capítulos em dois livros, organizar eventos acadêmicos, conhecer pesquisadores que eu só conhecia por livros, a ascender no plano de carreira da Prefeitura. Isso me ajudou a experenciar o que minha mãe sempre dizia: estudar é amargo, mas seus frutos são doces.

Mas, essa experiência de lecionar e cursar a pós graduação, também me ajudou a crescer pessoalmente e profissionalmente, ao vivenciar que nada se constrói sem esforço e dedicação, que é preciso priorizar o que realmente importa e encontrar tempo para a família entre as atividades docentes e de pesquisa, que precisamos buscar o ser humano por trás do papel, a vida além

da burocracia. É essa idéia que sempre procurei transmitir a meus alunos e atualmente transmito aos professores, por estar na função de Assistente Técnico Pedagógico.


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