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A Missão: algumas reflexões sobre o filme.

O contexto do filme “A Missão” é o da redefinição das fronteiras entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Madri (1750), e a expulsão dos Jesuítas e suas Reduções do território que passava a pertencer a Portugal. Motivado pela resistência indígena (e jesuíta) em deixar suas habitações e terras, dá-se início ao conflito armado que ficou conhecido como Guerras Guaraníticas.
Diante disto o filme basicamente retrata o bandeirante como o caçador e escravizador de nativos, o colonizador como ambicioso e desejoso de riquezas e terras americanas, os índios como ingênuos e vítimas da colonização e por fim o jesuíta como o protetor e salvador dos povos indígenas.
Ocorre que, como em todo filme, neste também a ficção suplanta a realidade histórica.
Vemos que no início dom filme o personagem interpretado por Robert De Niro é mostrado como uma pessoa dura, quase sem sentimentos, que embrenha-se nas matas à procura de índios para capturar e escravizar, e pagando com a morte aqueles que opuserem resistências às suas aspirações.
Os colonizadores precisavam da mão de obra indígenas tendo em vista o alto custo e a escassez de mão de obra escrava negra. Para o conquistador o cativeiro do índio significava a reprodução de seu sistema e a manutenção de sua própria sobrevivência. Para justificarem suas ações foi criado o instituto cativeiro da guerra justa, ou seja, poderia ser escravizado todo índio que guerreasse ou atacasse o colonizador. Diante disso invadia-se os territórios indígenas, provocando sua reação para depois escravizá0lo sob a alegação de guerra justa.
Os bandeirantes adentravam aos territórios do interior em busca de riquezas, principalmente metais e pedras preciosas, e também de índios servirem como escravos. Com isso promoviam massacres e a dizimação de populações inteiras, alastrando doenças típicas da Europa, para as quais os organismos dos indígenas não tinham qualquer proteção, sem falar na desestruturação da identidade cultural dos povos com os quais tinham contato, principalmente aqueles com os quais aliavam-se.
No entanto, apesar de todo o mal resultante de suas ações contribuíram para o deslocamento dos limites do Tratado de Tordesilhas e o alargamento das fronteiras portuguesas, conquistando territórios no coração do continente.
Podemos dizer que os principais prejudicados com os conflitos e principalmente com a expulsão final dos jesuítas foram os índios.
Mesmo se considerarmos a validade das intenções dos jesuítas na evangelização dos povos indígenas ela contribuiu para a destruição das sociedades autóctones.
Podemos perceber os religiosos como agentes da colonização, pois “civilizavam” os índios, assimilando-os à cultura européia e deixando-os vulneráveis a atuação do colonizador.
No início da evangelização alguns grupos indígenas são resistentes a ação dos jesuítas, como pudemos ver no início do filme, quando o primeiro religioso é morto e jogado ao rio. Mostra-se ainda que, além das comunidades étnicas que aceitaram os jesuítas, houve aquelas que aliaram-se aos espanhóis e portugueses, e inclusive lutaram ao lado destes na expulsão das reduções.
Os jesuítas foram grandes defensores da liberdade indígena, que deveria ser protegida, pois seu principal objetivo era resgatar o índio do paganismo e cristianizá-lo.  No filme vemos os mesmos lutando ao lado dos índios contra os colonizadores, sacrificando suas vidas para protegê-los.
Muito controversa é a atuação da Companhia de Jesus, e fala-se da violência cultural que praticaram ao impor seus valores e modo de vida “civilizados” alterando o modo de vida tradicional das comunidades indígenas e fragilizando seus costumes, ainda que tenham procurado aprender a língua nativa e suas manifestações culturais
Contudo, mesmo se não falarmos na questão da evangelização em si, é inegável o bem que os jesuítas promoveram aos índios, pois ao cristianizá-los estes tornavam-se “civilizados” e protegidos legalmente da escravidão. A atuação da colonização sem a presença e a proteção da Igreja, principalmente da Companhia de Jesus teria sido muito mais prejudicial aos povos indígenas, pois a ambição e truculência dos colonizadores estariam sem o esteio dos princípios morais cristãos que limitavam, ou tentavam limitar, a violência contra os índios.

 O filme retrata as mudanças na sociedade indígenas ocasionadas pelo contato e evangelização promovida pelos jesuítas.
Os indígenas deixaram as florestas e suas habitações e modo de vida tradicionais e juntaram-se aos evangelizadores jesuítas nas Reduções. Com isso absorveram a cultura do branco, passando a guiar suas vidas pelos valores e padrões deste.
Podemos ver que os índios estão reunidos em uma comunidade praticamente de forma européia, visto que as instituições sociais e mesmo as construções são de estilo europeu.
O centro do povoamento é a Igreja, rodeada por residenciais e outras edificações, que utilizaram-se de materiais locais para sua construção. Homens e mulheres abandonaram suas traje tradicionais e vestem-se de camisões e vestidos de algodão ou outro tecido rústico, típico dos brancos, ainda que tenham algum detalhe característico de sua cultura, como um desenho na vestimenta ou o uso de flores no cabelo ou colares típicos pelas mulheres principalmente.
Tais fatos demonstram que ainda que os índios tenham sido “assimilados” não houve de fato uma aculturação, pois elementos de ambas as culturas estão mesclados, influenciando-se mutuamente, ainda que prevaleça o modo de vida do colonizador.
Ainda que sua organização comunitária tradicional tenha sido enfraquecida pelo processo de evangelização dos jesuítas, a reunião dos índios nas Reduções tinha a vantagem de protegê-los dos ataques dos bandeirantes que visavam escravizá-los, o que era proibido pela legislação da metrópole, e veementemente repelido pelos religiosos jesuítas.
Hoje é muito discutido o método de evangelização utilizado pela Companhia de Jesus na América, fortemente marcada pela mentalidade da época, influenciada pela belicosidade da reconquista ibérica dos mouros e principalmente pela atuação na resistência ao avanço das idéias Protestantes.
Não podemos separar o homem e sua ação do tempo em que viveu e atuou, sob e pena em incorrer no maior erro que pode ser cometido por um historiador, o anacronismo. A escrita da história é determinada pelo local de onde o historiador a escreve.

Do alto dos mais de quatrocentos anos passados desde o início da evangelização das Américas, e acrescido de todo o conhecimento e novos modos de pensar do mundo atual fica fácil fazer a crítica à atuação dos jesuítas em seu trabalho missionário. Seu modo de pensar e agir seriam impróprios para aplicação no mundo atual, mas no que pesem todas as questões a favor ou contra o mesmo, foi fruto do contexto histórico e da ação do homem daquele período.

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