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Conflitos na cidade de Santos

As transformações ocorridas na cidade de Santos no período, como todas as mudanças culturais, não se deram sem tensões, conflitos, rupturas e continuidades.
Como exemplo de conflitos, podemos citar o ocorrido entre a Cia. Docas e os trapicheiros. A empresa passa a controlar a exploração da movimentação portuária, o acesso ao cais, contratação de trabalhadores, embarque e desembarque das mercadorias etc., e os comerciantes locais, que controlavam os trapiches, ficaram excluídos do protagonismo da exploração portuária, tendo que sujeitar-se ao interesses da Docas.
É frequente a insistência dos comerciantes locais nos pedidos de licença para a Câmara com o fim de construir pontes e trapiches, geralmente autorizados sob a alegação de que as obras do cais ainda estavam longe dos locais pretendidos.[1]
A Cia. Docas tinha o apoio das duas esferas do governo: federal e estadual. Diante de tais confrontos, a Cia. Docas recorreu ao Governo Federal, alegando a concessão lhe daria o direito ao monopólio portuário e conseguiu a demolição dos trapiches. Após, o Governo Estadual concedeu às Docas também o monopólio da Alfândega santista.
Os grupos locais acabaram por ficar de fora do controle do comércio cafeeiro, principal produto de exportação do Porto de Santos.  Mais tarde com a construção da amurada do cais, até mesmo o acesso de terceiros ao cais do porto passou a ser controlado pela Cia. Docas.
Os conflitos entre Docas e comerciantes santistas só chegaram ao fim com o início das greves operárias, em 1891, quando unem suas forças contra a paralisação dos trabalhadores do porto. A Cia Docas aproveitou-se dos ex-escravos do Quilombo do Jabaquara, que eram apadrinhados pela elite comercial da cidade, utilizando-os para o trabalho nas pedreiras que serviam as obras do cais do porto, “furando” a greve (MACHADO, 2007, p. 276).
Os comerciantes da cidade, as casas comissárias e os fazendeiros do café tomaram a frente na reivindicação de melhores condições sanitárias. Nesse sentido é fundamental a participação da Associação Comercial de Santos que chega a pedir ajuda diretamente ao Presidente do Estado:
[...] Atendendo aos perigos que nos ameaçam as péssimas condições higiênicas de Santos, a Praça Comercial resolveu representar a Presidência da Província no sentido de pedir que sejam tomadas imediatas providências com relação ao saneamento da cidade. A Associação Comercial entendeu perfeitamente, em nossa opinião, que a primeira providência a tomar é a nomeação imediata de uma comissão higiênica que apresentará um sistema definitivo de saneamento da cidade. Nesse sentido vai ser feita a representação para cuja redação foram nomeados os sócios Antônio Carlos da Silva Teles, Fritz Christ e Dr. Vicente de Carvalho. (Jornal Diário de Santos de nove de maio de 1889)
A Companhia de Melhoramentos do Porto de Santos, depois denominada Companhia Docas de Santos, concessionária para a construção do cais e a administração do porto, iniciou as obras que visavam substituir as pontes e trapiches, até então responsáveis pela movimentação portuária, por um cais onde os navios pudessem atracar. A Companhia também ficou encarregada de providenciar a infraestrutura necessária para atender a crescente demanda do movimento portuário.
Outro fato a ser apontado no período é o grande aumento populacional, influenciado pelo grande contingente de estrangeiros atraídos pela movimentação portuária .
Com o crescimento da movimentação do porto, muitos brasileiros e imigrantes estrangeiros dirigiram-se a Santos em busca de trabalho[2]. O Censo de 1913 apontava que a população estrangeira era de 45% e a nacional de 55%. Entre os estrangeiros, cerca de 63% eram do sexo masculino, e nota que segundo os censos europeus o número de mulheres nessas localidades superava muito o de homens devidos aos fluxos emigratórios. (Cf.CENSO de 1913 p. 116 a 127)
Temos assim uma modificação dos tipos da cidade. Com os imigrantes estrangeiros vieram suas ideias, e modos de vida, novas profissões surgiram, a composição cultural dos habitantes da cidade mudou e com isso novos modos de ver a vida na cidade e de resolver os problemas que apareciam.
A República trouxe também expectativas de renovação política e solução dos problemas sociais da cidade.
A cidade teve protestos e conflitos que são fruto dessa expectativa, dessa movimentação da população frente à necessidade de resolução dos problemas.  Um exemplo foi a revolta dos quebra-lampiões, ocorrida em 1884, na qual a população se revoltou contra os desmandos da Cia. City, que abastecia de água da cidade, e que decidiu por reduzir seus serviços arbitrariamente. Dessa revolta participou ativamente Antônio Manuel Fernandes, um dos signatários da Constituição municipal de Santos.
Outro exemplo de luta do período e de conflitos entre os grupos da cidade é a greve de 1891. Essa greve foi iniciada entre os carregadores do porto, juntando-se depois os estivadores, ferroviários, pedreiros e outros, paralisando a Alfândega, Mesa de Rendas, comércio, bancos etc.
Foram mobilizados “fura greves”, Força Pública e Marinha. O Tenente (deputado e chefe do partido operário) da Marinha, José Augusto Vinhaes, vem a Santos como mediador, contudo ele apoiou os grevistas e os ajudou financeiramente.
A Associação Comercial pediu ao chefe de polícia o afastamento do tenente, sob o pretexto da questão entre ele e Quintino de Lacerda que trazia ex-escravos para furar a greve. (GITAHY, 1992, p.80) Isso porque o pessoal usado para furar greve trabalhava nas pedreiras do Jabaquara, fornecedora das obras do Porto.
Nessa greve podemos perceber como se comportavam as forças de poder na cidade. As elites ligadas, ao comércio portuário, utilizavam-se dos ex-quilombolas como instrumento para conseguir a continuidade das obras e das atividades no porto.
 A utilização ideológica do abolicionismo é fundamental para promover aquilo que os jornais portuários tão enfaticamente denunciavam como ‘ a divisão dos trabalhadores por raça’. A escravidão, instituição coetânea e muito ocultada, fornece os ‘efetivos’ para ‘furar’ a greve e assim como um rol de justificativas ao ‘ex-herói’ abolicionista Quintino de Lacerda. Os exportadores alcançam êxito ao apresentar o conflito grevistas fura-greves como ‘preconceito de raça’ de trabalhadores imigrantes a uma população com experiência recente na luta abolicionista. A manobra contribui para justificar o isolamento e a repressão dos grevistas (GITAHY, 1992, p. 81)
Indiciando a grande variedade de ideias na época, surge grande número de jornais, nos quais pessoas que atuavam na política escrevem, defendendo suas ideias ou combatendo a dos adversários.
A repercussão que teve o movimento abolicionista e republicano em Santos, e, depois dele, a importância que tiveram os movimentos operários, devem-se, em larga medida, ao vigor do jornalismo e da imprensa na cidade, que estimularam e potencializaram a circulação de novas ideias. As ideias constituem o fermento dos movimentos sociais. Esta é uma das peculiaridades da cidade de Santos, no contexto do país como um todo, e ajuda muito a compreender seu desenvolvimento histórico. A circulação de ideias foi de fundamental importância para criar um caldo de cultura e massa crítica que forneceram as bases para esses movimentos e delinearam o perfil cosmopolita que caracteriza a cidade até a atualidade (ALVES, 2008 p. 14/15)
O jornal “O Diário de Santos”, dirigido por Isidoro de Campos, favorecia o Partido Republicano Paulista de Cesário Bastos, “A Tribuna do Povo” de Olympio Lima fazia a oposição alinhada ao Partido Municipal que defendia os interesses dos comerciantes locais. (GITAHY, 1992, p. 52)
Grupos também se organizaram para encontrar formas de colocar em prática seus princípios, como por exemplo, o Centro Republicano e o Club Nacional, ambos republicanos, mas com alguma divergência, e, mais tarde, o Centro Socialista de Santos, fundado por Silvério Fontes, Raymundo Sóter de Araújo e Carlos Escobar, bem como o jornal “A Questão Social” em 1895.
Com relação à República, a indiferença do governo Provincial com relação aos problemas da cidade, notadamente as epidemias, foi um importante fator de acirramento e radicalização da campanha republicana.
O Estado também tentava impor suas intenções com relação aos negócios da cidade, procurando apoio político ainda que a custa da adesão dos republicanos de última hora, ou seja, aqueles que até o fim do Império haviam apoiado o regime monárquico, e que com o advento da República pretendiam continuar exercendo cargos no novo regime. Outro problema era o da representatividade, ou forma de exercício do poder na República. É assim que temos a primeira divisão entre os republicanos santistas:
Logo que se proclamou a República, o Partido Republicano de Santos, se desentendeu com a direção do Partido Republicano Paulista, que, inclusive, dirigia o governo local, acerca da nomeação de uma Intendência que sucedesse à edilidade dissolvida da cidade de Santos. Dentro do PR santista a situação era encarada de duas formas: uma em que se considerava que o poder deveria ser constituído ou delegado por iniciativa popular, em coerência com os princípios democráticos; outra que considerava que devia atender-se a todas as ordens emanadas dos poderes constituídos depois de 15 de novembro de 1889. Atrás dessas duas posições um outro problema se apresentava: a atribuição de cargos aos elementos republicanos antigos, pela luta em favor do regime; e na atribuição de cargo a elementos recém-convertidos à fé republicana. A divergência dá origem à cisão do PR, do qual uma ala passa a constituir o Club Nacional, agrupamento a que Prudente de Moraes, então presidente de São Paulo, deu o seu apoio. Era partidária da segunda posição. A outra ala, formando o Centro Republicano, apelava para as prerrogativas dos republicanos históricos como leais defensores do pensamento democrático. (SILVEIRA, 1978 p. 83)
O Centro Republicano acusava a Prudente de Moraes de pensar que a Pátria era patrimônio dos ricos e tutelada pela burguesia.  O que nos dá indícios de que esses republicanos santistas pretendiam uma política com maior participação popular, mormente das classes não favorecidas.
Neste início de República, a Constituição Federal e Estadual deixaram margem para que os municípios tivessem a liberdade de regular sua forma interna de organização, de acordo com seu “peculiar interesse”. Contudo isso não se deu sem ameaças à autonomia dos municípios, sem disputas de forças, sem que cada esfera do governo pretendesse exercer sua influência política para atingir seus interesses.
Com relação à cidadania, e um importante ponto a ser destacado é a importância dada à educação pela República, e conseqüentemente pelos republicanos santistas. Esta era compreendida como meio para a criação da consciência de participação na vida política do povo, ou seja, para o exercício da cidadania.

Muitos políticos do início da República tiveram participação direta na melhoria da educação da cidade. É de se notar a atuação, por exemplo, de Antônio Manuel Fernandes, vereador e jornalista, que fundou a Escola do Povo em Santos para educação popular; Raymundo Sóter de Araújo, que foi inspetor literário e vice-presidente da Sociedade Auxiliadora da Instrução; Manuel Maria Tourinho, que também foi Inspetor Literário; e Adolfo Porchat de Assis, considerado o “pai da instrução” por sua atuação pela educação santista, diretor da Academia de Comércio de Santos por quase 40 anos e como professor do Liceu Feminino, por exemplo.
Podemos citar ainda o caso de Raymundo Sóter de Araújo, Silvério Fontes e Carlos de Escobar, fundadores do jornal a Questão Social e do Centro Socialista de Santos, um dos primeiros que se tem notícia no país. Todos os três atuaram como Inspetores Literários, participaram na criação de escolas ou foram professores, ao mesmo tempo em que exerciam cargos políticos ou profissionais.



[1]No ano de 1892 há pelo menos 11 pedidos para construção de trapiches. Cf. Fundo Intendência Municipal de Santos
[2]A importância dos estrangeiros é notada quando vemos na página 144 do recenseamento de 1913 que no total de 38730 trabalhadores os portugueses eram 14985, e entre os 9161 empregados no comércio 1300 são portugueses. 

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