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A INTENDENCIA MUNICIPAL E A EDUCAÇÃO NA CIDADE DE SANTOS - PARTE 2

Um importante ponto a ser destacado é a importância dada à educação pela República, e consequentemente pelos republicanos santistas. Esta era compreendida como meio para a criação da consciência de participação na vida política do povo, ou seja, para o exercício da cidadania. Podemos ver isso na justificativa que foi dada para a criação da Biblioteca Pública da cidade, indício que as ideais de instrução e de cidadania caminhavam lado a lado: Sendo opinião dos grandes pensadores que para haver bom governo é necessário haver instrução do povo; sendo certo que a leitura de bons livros concorre poderosamente para fazer bons cidadãos [...] (Indicação ao Conselho de Intendentes de Santos de 18/08/1891).
No relatório da Câmara Municipal de Santos de 1898 há a afirmação de que:
“Instruir o povo é prevenir a ochlocracia, é civilisar o espírito popular, é avigorar a consciência pública.
A república só poderá ser comprehendida, só poderá produzir os seus verdadeiros benefícios, quando o povo pela instrução, se capacitar de que agitar, perturbar a Republica é esmagar a própria conquista, mas, para o povo ser grande, para tornar-se majestoso e digno, não lhe é mister derrocar Bastilhas, cumpre-lhe somente conquistar o livro, invadir a eschola. (Relatório da Câmara Municipal de Santos de 1898 p. 26)
Este registro indica que a preocupação com a instrução esteve presente nos primeiros republicanos, e isso pode ser claramente percebido em Santos, porque a participação na política era restrita aos alfabetizados. A vida em sociedade era destinada àqueles instruídos para tanto.
É interessante a justificativa que foi dada para a criação da Biblioteca Pública da cidade, indício que as ideias de instrução e de cidadania caminhavam lado a lado: Sendo opinião dos grandes pensadores que para haver bom governo é necessário haver instrução do povo; sendo certo que a leitura de bons livros concorre poderosamente para fazer bons cidadãos [...] (Indicação ao Conselho de Intendentes de Santos de 18/08/1891).
Há outras indicações da importância dada à educação pelos republicanos santistas, mesmo durante o império. O vereador Júlio Conceição, por exemplo pediu, em 10 de janeiro de 1888, que conste no código de posturas a obrigatoriedade do ensino público na cidade. (RELATÓRIO da Intendência Municipal, 1891 p. 77)
Além das mudanças mais visualmente perceptíveis na cidade de Santos, ocorreram mudanças na cultura, na qual a oralidade, até então predominante, passou a ser gradualmente invadida pela escrita. Cruz (2000, p.66) aponta que
Nas ultimas décadas do século passado [XIX], misturada às necessidades colocadas pelo desenvolvimento das escritas e controles mercantis, obedecendo aos ditames da “vulgarização” impostos pela propaganda, transportada na velocidade dos novos serviços de correios e telégrafos e articulada às novas linguagens visuais da modernidade, a escrita desce do pedestal e começa a invadir a vida cotidiana da cidade.
Para acompanhar as mudanças, as antigas práticas de comercialização precisariam se modernizar. Mudou-se a representação do que era adequado na forma de escrituração comercial. Passou-se a considerar que o que era aprendido informalmente, através da experiência, poderia ser mais adequadamente ensinado em escolas, através de uma formação mais técnica, ligada à modernidade.
Isto levou parte da população, especialmente os comerciantes, com o apoio de educadores, a pressionar o Conselho de Intendência, então responsável pela administração municipal, para que fosse criada uma Academia de Comércio na cidade o que se tornou realidade quando, em novembro de 1907[i], a Câmara Municipal aprovou a lei n° 281, proposta pelo então Inspetor Literário, Dr. Raymundo Sóter de Araújo[ii], sancionada pelo então Intendente Municipal, o tenente-coronel Cincinato Martins Costa.
Nesse sentido é fundamental a leitura de Dominique Julia (2001), que se propõe a refletir sobre o conceito de cultura escolar a partir de um determinado recorte temporal:
“Esses três elementos, espaço escolar específico, cursos graduados em níveis e corpo profissional específico, são essenciais à constituição de uma cultura escolar e justificam, portanto, a restrição cronológica que me impus” (JULIA, 2001, p. 15)
Tais elementos, conforme explicitados pelo próprio autor, são os constitutivos de uma cultura própria da instituição escolar, que surgiu, portanto, historicamente.
Diana Vidal analisando os conceitos de cultura escolar, forma escolar e gramática da escola aponta que Guy Vicent, ao interrogar-se sobre a os três elementos constitutivos da instituição escolar (espaço, tempo e relação pedagógica), percebia a gênese desse modelo em um determinado período histórico:
“Guy Vincent considerava que a forma escolar criada por La Salle havia sido mantida em sua essência (permanecendo como tal até os dias de hoje). Para Vincent, a alteração fundamental foi operada em grande parte pela passagem de uma cultura fundada na oralidade para uma cultura escritural, baseada na difusão da palavra escrita (crescimento da alfabetização), mas principalmente na organização do pensamento e da relação do homem com o mundo pela lógica escritural” (VIDAL, 2005, p. 38)
Essa “cultura escritural” se deu por meio de um processo de formalização do ensino, que se desenvolveu no tempo e passou a considerar necessário um tipo específico de formação a partir de certos modelos que influenciam a instituição escolar até nossos dias.
Tratando das normas e finalidades da escola Julia ajuda a refletir sobre o papel da escola no início republicano santista, período de leis, debates e conflitos:
(...) os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola. (JULIA, 2001, p. 19)
Assim há fortes indícios de que a atuação dos diferentes grupos de Intendentes santistas, especialmente os promulgadores da Constituição Municipal, surgiram a partir de uma visão de mundo própria e de um projeto de cidade, de cidadão e de educação, e da vivência desses sujeitos dos conflitos políticos como: a oposição que até então faziam ao governo, a adesão à Revolta da Armada e a defesa da liberdade do município. Conflitos resultantes das acomodações das forças políticas naquele início de república e do desgaste dos ideais resultantes de seu confronto com a prática:
Há cinco anos, o dia de hoje era recebido com a mais franca alegria, com o mais profundo contentamento, com a maior expressão de júbilo pela grande maioria da nação. Um frêmito de entusiasmo passou por todo o Brasil e um futuro risonho, de prosperidade, de Ordem e Progresso, delineou-se no horizonte da Pátria.
Passam-se os dias e com eles, ai de nós! As dúvidas, as incertezas, começam a invadir nossa alma. O nosso espírito conturba-se e vê o desaparecimento de todas as liberdades, qual enorme ciclone, depois da bonança, sacode convulsivamente a sociedade, levanta os ódios e atira irmãos contra irmãos. Troa o canhão, espadana o sangue, o riso é substituído pelo gemido. (grifos nossos) (Ata da Intendência Municipal de 15/11/1894)
Contudo muito ainda há para se fazer com a documentação e temática. Ainda que nem toda documentação não tenha subsistido ao tempo seria importante o estudo do pensamento destes, por meio dos escritos e obras, procurando perceber suas influências intelectuais. Outro estudo interessante seria a pesquisa sobre a dedicação da legislatura constituinte à solução dos problemas da cidade.
A pesquisa realizada até o momento, e as questões suscitadas, instigam a continuidade e aprofundamento da investigação a respeito das representações sobre educação dos grupos de intelectuais santistas no período das Intendências. 
Diante das leituras realizadas será dada atenção especial à cidade e visa social-cultural e política, mas sem determinismos. A ideia é:
captar a ambiência sócio-político-cultural da cidade, para então mapear a dinâmica de articulação de seus vários grupos de intelectuais, reunidos em lugares de sociabilidade, onde ocorria um debate de ideias, aqui entendidas como indissociáveis de formas de intervenção na sociedade. (GOMES, 2004, p. 80)
Como pontos de inflexão para compreender a educação no período das Intendências Municipais em Santosserão utilizadas a discussão sobre o legado Barnabé e a criação de um Grupo Escolar com prédio próprio, a publicação da Constituição Municipal em 1894, analisada como meio de exposição de uma visão de sociedade e de educação no período, e por fim a criação da Academia de Comércio de Santos, fruto das necessidades da cidade que precisava se adequar à nova realidade comercial.



[i] A criação da Academia do Comércio, por muitos anos insistentemente reclamada por cidadãos santistas e pela própria Associação Comercial, só foi atendida no último ano do período da Intendência Municipal, quando as condições sócio-políticas foram favoráveis.

[ii] Médico formado pela Escola de Medicina da Bahia. Atuou em Santos no combate às epidemias do século XIX, foi Intendente de Higiene, Inspetor Literário e Vereador por várias legislaturas. Fundou com Carlos Escobar e o médico Silvério Fontes o jornal Questão Social e o Centro Socialista de Santos.

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