Pular para o conteúdo principal

Imaginário e a Conquista da América de Todorov

Tzvetan Todorov, filósofo e linguista búlgaro radicado na França. Todorov foi professor da École Pratique de Hautes Études e na Universidade de Yale e Diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris (CNRS). Atualmente é Diretor do Centro de Pesquisa sobre as Artes e a Linguagem da mesma cidade. Publicou um número considerável de obras, que estão hoje traduzidas em vinte e cinco idiomas, além disso, produziu vastíssima obra na área de pesquisa lingüística e semiótica (ciência geral dos signos, que ocupa-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da idéia.
Em seu livro A conquista da América: a questão do outro, Todorov pretende tratar segundo o próprio, “da descoberta que o eu faz do outro.”  Isto para entender os conflitos e problemas pelos quais o mundo globalizado atual está passando na relação com o diferente.
E faz isso levando em conta que todo outro é também um eu, ou seja, somente do ponto de vista de quem olha é que pode- se falar de outro. O outro pode ser vista do ponto de vista abstrato, como alguém diferente de mim, ou como um grupo social do qual não pertencemos.
E faz esta análise à partir do fato da descoberta da América. Ele fundamenta sua escolha por ser este “sem dúvida o encontyro mais surpreendente de nossa história”. Pois antes do encontro dos europeus com os habitante da américa, aqueles não podiam ter certeza do que os encontrava. Tinham algum tipo de informação sobre a àsia e África, mas nada sobre o além mar. O imaginário europeu era povoado de lendas e estórias mirabolantes sobre o que os encontrava além do oceano Atlântico. Monstros marinhos, dragões, precipícios, seres meio humanos meio animais, eram alguns dos perigos com os quais pensavam que podiam se encontrar. O encontro entre europeus e americanos foi o mais intenso, inesperado e novo de toda a história da humanidade. Outro fundamento da escolha de Todorov é que “é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente”. Para ele o verdadeiro início da era moderna é o ano de 1492, pois o mundo passa a ser outro, aberto a outros mundos.

II- A conquista da América / Montezuma e os signos
A primeira questão a ser colocada por Todorov, tendo em vista que este encontro entre Velho e Novo Mundo foi uma guerra e uma guerra de Conquista, quais foram os fatores que possibilitaram a vitória dos europeus que encontravam-se me menor número e lutavam em solo estranho?
Ele procura a resposta analisando os textos e relatos da época, como por exemplo os relatórios de Cortez, as crônicas espanholas e também os relatos indígenas.
Ao ler tais relatos deve-se levar em conta a intenção de quem os produziu, pois serão tendenciosos aos seus interesses. Nesse sentido o autor diz que “a recepção dos enunciados é mais reveladora para a história das ideologias do que sua produção; e, quando um autor comete um engano ou mente, seu texto não é menos significativo do que quando diz a verdade.” E isto porque é fruto da época e das circunstâncias na qual foi escrito, e dentro dessa perspectiva deve ser filtrado e analisado.
Iniciando a análise das explicações propostas para a vitória de Cortez vemos que a primeira delas é “o comportamento ambíguo, hesitante, do próprio Montezuma”.
Montezuma é descrito como uma pessoa melancólica e hesitante. Deveras quando os mensageiros de Montezuma anunciam aos espanhóis que o reino asteca lhes dado de presente, pedem também para que não entrem na Cidade do México, percebe-se a ambigüidade de Montezuma. Cortez sabe aproveitar-se dessa hesitação para conquistar seus objetivos.
Um dos motivos apontados para esta hesitação do líder asteca é o fato de eles serem recém chegados do norte e também conquistadores daquele lugar, e que talvez Montezuma sentisse certo sentimento de culpa, e acreditasse que os espanhóis poderiam ser descendentes dos toltecas que vinham recuperar seu território.
Quando os espanhóis conseguem entrar na capital, Montezuma além de deixar-se ser feito prisioneiro de Cortez, nada faz para evitar a conquista, preocupando-se apenas em evitar qualquer conflito.
Estes são alguns dos fatos que fazem com que os historiadores divirjam quanto á visão que têm de Montezuma. Enquanto uns o vêm como um louco, outros enxergam nele um sábio.
Outro fator geralmente indicado para a conquista espanhola é a capacidade de Cortez em aproveitar-se dos conflitos internos da Confederação Asteca. Diversas populações ocupavam o solo mexicano e muitos povos eram reprimidos pelos astecas que os haviam recém conquistado exigia pesados impostos. Estes povos subjugados percebem os espanhóis como libertadores, ou como um mal menor.
Dessa forma tais povos passam a dar apoio logístico e munir os espanhóis dos braços necessários para as lutas contra os astecas. O maior aliado espanhol foi o povo tlaxcalteca, sem o qual teria sido muito mais difícil a conquista do México. Diante disso os tlaxcaltecas passaram a desfrutar de diversos privilégios chegando até mesmo a administrarem as regiões recém conquistadas.
Tendemos a ver os espanhóis como invasores, conquistadores implacáveis que subjugaram os povos autóctones exigindo pesados impostos, escravizando-os violentando suas mulheres e roubando todo o ouro que podiam, e que impuseram sua cultura destruindo a até então existente. Ocorre que os astecas também eram conquistadores e podemos ver nos relatos indígenas que praticaram muitos dos atos acima contra seus conquistados, em muito sendo semelhantes aos invasores europeus.
O último ponto para a conquista espanhola é sua superioridade de armas. Os espanhóis possuíam armas de fogo, canhões espadas, e os astecas não conheciam a metalurgia. Os bergantins eram superiores às canoas astecas,e os cavalos erma uma grande vantagem no deslocamento pelo território. Além disso há o contágio bacteriológico dos índios pela varíola, que dizimou inúmeros indígenas.
No entanto segundo os relatos indígenas o principal motivo de sua derrota foi a perda do contato com seus deuses. Os astecas e maias perderam a comunicação que tinham com o divino. À partir desse aspecto Todorov passa a analisar a questão dos signos mexicas e a relação dos espanhóis com os mesmos.

A comunicação era pratica da de formas diferentes por índios e espanhóis, e este discurso da diferença pode levar facilmente a questão da superioridade de uma forma sobre a outra. Nesse ponto Todorov deixa claro que não há nenhuma “inferioridade natural dos índios no plano lingüístico e simbólico”, uma prova disto é que índios servem de intérpretes nas primeiras expedições.
Além disso ao ter contato com os textos da época percebemos que “os índios dedicam grande parte de seu tempo e forças à interpretação das mensagens e que essa interpretação tem formas extremamente elaboradas, relacionadas às diversas espécies de adivinhação.”
Eles possuíam um calendário religioso cíclico, e dependendo da data de nascimento de uma pessoa, podia-se dizer todo seu destino, à partir da interpretação feita pelo sacerdote da comunidade.
Outra forma de adivinhação eram os presságios. Qualquer acontecimento poderia servir como fonte para revelar o que estava por vir. A forma de vôo dos pássaros, o humor dos prisioneiros, etc., são objetos da interpretação para prever-se o que acontecerá.
Serviam-se também da consulta a adivinhos que se utilizavam de técnicas de adivinhação atreves da água, grãos de milho, fios de algodão.
Além disso, “diversas personagens afirmam ter tido comunicação com os deuses e profetizam o futuro”.
Diante de tudo isto o imaginário asteca estava certo de eu o futuro previsto seria realizado e não havia como fugir de seu destino anunciado. “Tudo é previsível e, portanto, tudo é previsto”, ou seja o mundo é pré-determinado.
Era a sociedade que determinada o destino do indivíduo. Este passa a não ser um indíviduo, como o conhecemos, mas “elemento constitutivo de outra totalidade, a coletividade”. Os astecas davam preferência aos coletivos sobre o individuo. Nesse sentido vemos, por exemplo os pais serem punidos pelos erros dos filhos, inclusive um próprio rei punindo sua filha com a morte. E isto porque “a morte só é uma catástrofe numa perspectiva estritamente individual, ao passo que, do ponto de vista social, o benefício obtido da submissão à regra do grupo pesa mais do que a perda de um indivíduo”. É essa também a explicação de os sacrifícios humanos serem passivamente aceitos.
“O futuro do indivíduo é determinado pelo passado coletivo” é a interpretação do presságio, calendários etc. que mostrará o futuro da comunidade, pois o que interessa nessas adivinhações não é a sorte do indivíduo, mas a harmonia da sociedade.
Vemos que existem dois tipos de comunicação, entre os homens e entre os homens e o mundo. Sendo esta última a mais utilizada pelos indígenas americanos, que interpretam todos os indícios de presságios, inclusive o indivíduo. Para eles o homem “importa mais como objeto do discurso do que como destinatário dele”.
Montezuma utiliza-se de espiões todo o tempo, desde o início da invasão espanhola, como forma de conseguir informações e interpretá-las, para ler o mundo, e com isso sempre sabia o que estava acontecendo.
Acontece que a predominância de informações de Montezuma não significa, como vimos, o “domínio da comunicação inter-humana”. Isto porque ele não tem interesse em comunicar-se diretamente com os espanhóis, mas ter informações deles para ler o que irá acontecer. Este é o motivo de esquivar-se reiteradamente a um encontro pessoal com Cortez.
Montezuma teme tanto as informações que recebe, pois já lhe dizem algo sobre os acontecimentos vindouros, quanto as informações que pode passar aos espanhóis, pois, na visão dele, podem servir para a leitura de mundo dos espanhóis, fragilizando-o ainda mais.
O encontro com Cortez pode ser fatal na visão de mundo asteca, pois ficaria vulnerável ás interpretações e leituras que os espanhóis poderiam fazer dele. Ele perderia sua função social, de rei, para fragilizar-se se tornando simples indivíduo que pode ser analisado, lido e interpretado. Diante disto Montezuma recusa-se, têm medo de receber os invasores, evitando dar elementos para que estes se comuniquem com os deuses.
O que assusta Montezuma é que este tinha o domínio na aquisição de informações sobre seus inimigos indígenas, mas com relação aos espanhóis, por serem eles tão diferentes, de comportamento tão imprevisível, que tem sua forma de comunicação prejudicada, dificultando a coleta de informações.
Tudo o que acontece no mundo já estaria pré-determinado, e devia-se poder ler tudo isso através dos presságios e demais formas de adivinhação. “O presente torna-se inteligível a partir do momento em que é possível vê-lo prenunciado no passado”.
Com a invasão dos espanhóis, os astecas procurarão encontrar onde isto já estaria escrito, e chegarão até mesmo a criar “antigas profecias” para explicar os novos acontecimentos.
Para a visão de mundo asteca a informação, o discurso é de fundamental importância. Tanto que se autodenominam descendentes dos nahuatlaca, que significa gente que fala claramente, em oposição aos povos bárbaros os chichimecas, ou gente que vai à caça. O próprio imperador é chamado de tlatoani, o que significa aquele que possui a palavra.
A capacidade de comunicar-se bem faz parte da educação asteca. OS pais tem a responsabilidade em desenvolver estas capacidades nos filhos, mas também existem escolas públicas especiais chamadas calmecac, que era uma “escola de interpretação e de oratória, de retórica e hermenêutica”, onde eram educadas as crianças da elite, aqueles que iriam ocupar os mais altos cargos administrativos e religiosos. Estes são sempre escolhidos em função de sua capacidade de comunicação.
Vemos que a comunicação verbal era de tal forma valorizada no mundo asteca, que eles não se utilizavam de escrita. Existiam sim os códices, com imagens que possuíam seu significado, mas estas não poderiam ser lidas sozinhas, mas dependiam das explanações orais feitas a partir dos mesmos.
Diante disto vemos uma sociedade asteca dominada pela interpretação de símbolos e signos, que são constantemente interpretados para ler o mundo presente e futuro.
Cortez percebe a concepção de mundo dos astecas, sua leitura dos símbolos sua forma de ver a si mesmos e aos espanhóis e têm a capacidade de manipulá-la a seu favor. Vemos isso de várias formas e em vários momentos, por exemplo: Cortez ao perceber que eram tidos por deuses pelos astecas, nada faz para desfazer o mal entendido. Ao saber que Montezuma não os quer ver, insiste no encontro e em conhecer o líder. Ao encontrá-lo, depois de aprisioná-lo, o manipula para seus interesses.
Cortez aproveita-se também da idéia de que os espanhóis seriam descendentes dos toltecas que teriam vindo recuperar o fora conquistado recentemente pelo astecas, e também do fato de que chegaram justo no fim do ciclo de seu calendários, momento em que poderia findar-se uma era e iniciar-se outra.
Mais dos que o comportamento ambíguo e hesitante de Montezuma, incapaz de organizar uma resistência firme contra os espanhóis, mais do que a exploração por Cortez dos conflitos internos do reino asteca, aproveitando-se das animosidades de certos povos e aliando-se aos mesmo contra os astecas e mais do que a superioridade nas armas e transportes bélicos, o fator mais importante do sucesso da conquista espanhola foi, com certeza, a apropriação e manipulação dos signos mexicas com a intenção de dominá-los.




III- Conclusão
Diante de tudo o que foi lido pode se ver que os astecas tinham uma visão de mundo muito diferente dos espanhóis. Que esta não era superior nem inferior a daqueles, mas apenas diferente. Percebeu-se que em muitos pontos dominados e dominadores eram semelhantes e em outros diametralmente opostos.
Ainda que os espanhóis tenham sabido conhecer e entender o mundo asteca, somente o fez para dominá-lo e manipular.
Cortez e os outros espanhóis foram incapazes de integrarem-se ao mundo asteca, somarem sua visão de mundo com a dos povos conquistados, respeitarem as diferenças encontradas para construírem o Novo Mundo. Impondo sua “superioridade”, os espanhóis arrasaram a cultura asteca e demonstraram sua incapacidade de convivência com uma cultura diferente.
E isto, podemos ver acontecendo no mundo de hoje. A mesma intolerância com o diferente, a mesma tendência dos países imperialistas imporem sua cultura aos povos dominados arrasando a cultura local e impedindo a convivência pacífica numa sociedade plural e multicultural.
Olhando o passado podemos entender como se deu a construção desse modo ocidental de pensar, de ver o mundo, mas podemos também perceber que existem outras formas de cultura, outras formas de pensar, tão válidas quanto as outras.
Vivemos numa sociedade plural. Com o mundo globalizado temos cada vez mais contato com o diferente, e diante disso, conhecendo a história, temos a chance de fazermos uma escolha: ou agimos como Cortez e os espanhóis e excluímos a cultura diferente, vendo-a como “inferior” e impondo nossa cultura “superior”, ou temos a chance de fazer diferente, integrando-nos a mesma, somando as diferenças e construindo um mundo mais harmônico, respeitando as diferenças.


IV- Bibliografia
SOUSTELLE, Jacques. Os astecas na véspera da conquista espanhola. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 313p
SANTOS, Eduardo Natalino. Civilizações americanas: cinco séculos de desconhecimento. THOT, n.72, p.32-36.
THEODORO, Janice. Civilizações Pré-colombianas, 2002. 
TODOROV , Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 3-17;73-139.


Comentários