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O AMBIENTE SANTISTA: TRANSFORMAÇÕES, PROBLEMAS E PROJETOS – PARTE 3

A república trouxe expectativas de renovação política e solução dos problemas sociais da cidade.
A cidade teve protestos e conflitos que são fruto dessa expectativa, dessa movimentação da população frente a necessidade de resolução dos problemas.  Um exemplo foi a revolta dos quebra-lampiões, ocorrida em 1884, na qual a população se revoltou contra os desmandos da Cia. City, que abastecia de água da cidade, e que decidiu por reduzir seus serviços arbitrariamente. Dessa revolta participou ativamente Antonio Manuel Fernandes, um dos signatários da Constituição municipal de Santos.
Outro exemplo de luta do período e de conflitos entre os grupos da cidade é a greve de 1891. Essa greve foi iniciada entre os carregadores do porto, juntando-se depois os estivadores, ferroviários, pedreiros e outros, paralisando a Alfândega, Mesa de Rendas, comércio, bancos etc.
Foram mobilizados “fura greves”, força pública e Marinha. O Tenente (deputado e chefe do partido operário) da Marinha, José Augusto Vinhaes, vem a Santos como mediador, contudo ele apoiou os grevistas e os ajudou financeiramente.
A Associação Comercial pediu ao chefe de polícia o afastamento do tenente, sob o pretexto da questão entre ele e Quintino de Lacerda que trazia ex-escravos para furar a greve. (GITAHY, 1992, p.80) Isso porque o pessoal usado para furar greve trabalhava nas pedreiras do Jabaquara, fornecedora das obras do Porto.
Nessa greve podemos perceber como se comportavam as forças de poder na cidade. As elites ligadas ao comércio portuário, utilizavam-se dos ex-quilombolas como instrumento para conseguir a continuidade das obras e das atividades no porto.
 A utilização ideológica do abolicionismo é fundamental para promover aquilo que os jornais portuários tão enfaticamente denunciavam como ‘ a divisão dos trabalhadores por raça’. A escravidão, instituição coetânea e muito ocultada, fornece os ‘efetivos’ para ‘furar’ a greve e assim como um rol de justificativas ao ‘ex-herói’ abolicionista Quintino de Lacerda. Os exportadores alcançam êxito ao apresentar o conflito grevistas fura-greves como ‘preconceito de raça’ de trabalhadores imigrantes a uma população com experiência recente na luta abolicionista. A manobra contribui para justificar o isolamento e a repressão dos grevistas (GITAHY, 1992, p. 81)
Indiciando a grande variedade de idéias na época, surge grande número de jornais, nos quais pessoas que atuavam na política escrevem, defendendo suas idéias ou combatendo a dos adversários.
A repercussão que teve o movimento abolicionista e republicano em Santos, e, depois dele, a importância que tiveram os movimentos operários, devem-se, em larga medida, ao vigor do jornalismo e da imprensa na cidade, que estimularam e potencializaram a circulação de novas idéias. As idéias constituem o fermento dos movimentos sociais. Esta é uma das peculiaridades da cidade de Santos, no contexto do país como um todo, e ajuda muito a compreender seu desenvolvimento histórico. A circulação de idéias foi de fundamental importância para criar um caldo de cultura e massa crítica que forneceram as bases para esses movimentos e delinearam o perfil cosmopolita que caracteriza a cidade até a atualidade (ALVES, 2008 p. 14/15)
Grupos também se organizaram para encontrar formas de colocar em prática seus princípios, como por exemplo, o Centro Republicano e o Club Nacional, ambos republicanos, mas com alguma divergência, e, mais tarde, o Centro Socialista de Santos, fundado por Silvério Fontes, Raymundo Sóter de Araújo e Carlos Escobar, bem como o jornal A Questão Social em 1895.
Os intelectuais[1] do período, além de mediadores de idéias participavam ativamente da política e de outras áreas da vida social da cidade, como vereadores, jornalistas, professores, procurando colocar em prática suas idéias.
Entre eles temos Vicente de Carvalho, redator da Constituição Municipal de Santos. Era advogado atuante, e escrevia regularmente para jornais de Santos e da Capital. Foi redator do Diário de Santos, e Secretário de Negócios do Interior em 1891. Outro foi Manuel Maria Tourinho, presidente do Conselho de Intendência, quando foi promulgada a Constituição Municipal, e primeiro prefeito de Santos. Era médico e trabalhou ativamente no combate às epidemias da cidade. Foi membro da Junta Municipal de Higiene, Inspetor Literário por vários anos e vereador. Antônio Manuel Fernandes foi jornalista, bastante atuante no período da propaganda republicana, fundou a Escola do Povo de Santos, atuou ainda como vereador sendo um dos signatários da Constituição Municipal.
É nesse contexto de transformações políticas, sociais, econômicas e culturais que os ideais republicanos foram confrontados com a prática.
Logo no início da República mudou-se a composição das Câmaras substituindo por vereadores nomeados pelo Presidente do Estado. Com a Lei de Organização Municipal surgiram as Intendências, que descentralizaram o poder executivo (dividido em áreas entre vários intendentes) e também o legislativo, dando liberdade para as Câmaras legislarem, dando indícios de descentralização do poder.
No entanto os grupos que estão no poder ainda eram os ligados ao grande capital, principalmente produtores de café, com fortes ligações com os governantes do Estado, o que permitiu a ingerência de interesses estranhos ao município.
Em 1892 foi eleita a primeira câmara republicana de Santos, com elementos que faziam oposição política os que até então permaneciam no poder. Entre eles estavam participantes da Revolta da Armada e apoiadores dos Movimentos Operários, como Manuel Maria Tourinho e Olympio Lima, que tentaram colocar em prática suas concepções de república.


[1] Utiliza-se aqui o conceito de intelectuais segundo Ângela de Castro Gomes, ou seja, “grupos reunidos em lugares de sociabilidade para o debate e a propagação de idéias, indissociáveis de formas de intervenção na sociedade”(GOMES, 1999, p. 10)

tnote'>[1] No ano de 1892 há pelo menos 11 pedidos para construção de trapiches. Cf. Fundo Intendencia Municipal de Santos

[2] A importância dos estrangeiros é notada quando vemos na página 144 do recenseamento que no total de 38730 trabalhadores os portugueses eram 14985, e entre os 9161 empregados no comércio 1300 são portugueses.
abolicionistas como o Santos Garrafão, e o Major Pinheiro, enriqueceram empregando negros em seus negócios, (ROSEMBERG, 2006, p.207)



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