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O que foram as intendências municipais

Na perspectiva de compreender como foi o momento histórico em que foi criada a Constituição Municipal em Santos e que as novidades ela trouxe com relação à autonomia do município.
Victor Nunes Leal ensina que:
Ao estudarmos a autonomia municipal no Brasil, verificaremos, desde logo, que o problema verdadeiro não é o de autonomia, mas o de falta de autonomia, tão constante tem sido, em nossa história, salvo breves reações de caráter municipalista, o amesquinhamento das instituições municipais (1986, p. 70).
Realmente percebem-se lutas e conflitos por autonomia local em vários momentos da história do município brasileiro. Logo no início da colonização, quando Martim Afonso fundou em São Vicente a primeira vila, convidou os “homens bons” para elegerem os funcionários necessários para a administração do novo núcleo administrativo. Deste modo o colonizador transplantou para o Brasil, tal e qual vigorava em Portugal, o instituto da Câmara Municipal, sem adaptações.
Ocorre que já havia nesta mesma localidade um núcleo populacional, independente politicamente da metrópole, com suas leis e funcionamento próprios. O povoamento que até então vinha sendo senhor de seu próprio destino, viu-se obrigado a dividir a autoridade com os que acabavam de chegar. Esses conflitos ocorreram em diferentes localidades do país.Aliás, os conflitos originados da interferência de um poder externo no funcionamento das comunidades locais têm sua origem no próprio surgimento dos municípios.
No Brasil, o município vem da organização romana adotada por Portugal e que deu origem aos Conselhos, que mais tarde se transformaram nas Câmaras Municipais. A organização municipal portuguesa foi aplicada no Brasil com todas as suas peculiaridades (PIRES, 1999, pp. 143-165). Os primeiros núcleos urbanos oficiais foram as Vilas de São Vicente, Olinda, Santos, Salvador, Santo André da Borda do Campo e Rio de Janeiro.

Com a Proclamação da Independência do Brasil e o advento da Constituição de 1824, o governo econômico e municipal de todas as cidades e vilas passou a ser de responsabilidade das Câmaras, compostas por vereadores eleitos. Uma Lei regulamentar trataria do exercício de suas funcções municipais, formação de suas Posturas policiais, appllicação das suas rendas, e todas as suas particularidades, e úteis attribuições. (Constituição do Império, 1824, artigos 167, 168 e 169 – grifo nossos.)

A Câmara Imperial tinha funções legislativa, executiva e judiciária. Havia um presidente, mas este não tinha a função executiva, que era dividida entre os vereadores, ou delegada a funcionários, como os procuradores e fiscais.
Em 1828, surge a lei que regulamentou as Câmaras Municipais, e que foi um retrocesso em relação à autonomia que as Câmaras tinham durante o período colonial, já que “trouxe ela para as Municipalidades a mais restrita subordinação administrativa e política aos Presidentes das Províncias”. (CRETELLA JÚNIOR, 1975, p. 35)
O Regulamento das Câmaras de 1º de Outubro de 1828, entretanto, suprimiu praticamente toda a autonomia municipal. Na verdade, a construção do Império brasileiro naquele momento vivia um impasse ideológico, de um lado a construção do Estado Nacional exigia um executivo forte e uma cidadania limitada, mas o processo de Independência era influenciado pelas ideias antiabsolutistas nascidas na Revolução Francesa no século XVIII. Esse contexto inspirava o fortalecimento do Poder Legislativo e cidadania plena (CERQUEIRA, 2007, p.37).
Esta Lei tirou muito da autonomia das Câmaras, que passaram a ter simples funções administrativas, deixando-as mais dependentes do Governo Provincial. Até mesmo as Posturas Municipais passaram a depender da aprovação da Assembleia Provincial. Pode-se perceber esse controle e dependência quando se analisa a documentação do período: são inúmeras solicitações para concessões de aforamentos e pedidos de verbas para obras e outras responsabilidades da Câmara, como, por exemplo, o sustento dos presos pobres. Era o chamado “sistema de tutela” (QUEIROZ, 1976, p.65).
Analisando a legislação, verifica-se claramente a função administrativa das câmaras. A atividade legislativa restringia-se às questões também administrativas do município, às Posturas Municipais, sem qualquer conotação política. Os municípios na época do Império se caracterizavam por grandes extensões territoriais e núcleos urbanos pequenos, sendo as atribuições das câmaras restritas à organização da vida urbana.
Durante todo o período imperial, os interesses locais eram encaminhados ao Governo da Província e às Assembleias Provinciais pelos Vereadores, conforme previa a Lei de 1828. A Província de São Paulo em 1835 aprova a Lei nº 18, numa tentativa de reformular a administração municipal no Brasil, logo abolida pela Assembleia Geral. Outra iniciativa nesse sentido foi uma proposta de Marquês de Olinda em 1862, que sugeria uma separação das funções administrativas e deliberativas das câmaras.
As Câmaras Municipais apareciam como instituições marcadas pelo paradoxo. Enquanto Conselhos – termo que pressupõem poder decisório desconcentrado e descentralizado – as Câmaras eram as instâncias políticas que mais se aproximavam do ideal revolucionário de autogoverno, dada a proximidade entre governantes e governados que ensejavam, contudo, esta mesma proximidade gerava de maneira quase inevitável, toda uma série de práticas clientelistas, pelas quais os ricos senhores locais perpetuavam seu poder nada mais antirrevolucionário (MARQUES JR., 1994).
Apesar dessas iniciativas e outras tentativas de diminuir a centralização do poder nas mãos do governo central e dar mais autonomia ao poder local, foram sufocadas e o modelo imposto pela Lei de 1828 perdurou até a Proclamação da República.
Somente com a República o município passou a contar com um poder executivo e um legislativo, quando surge o regime das Intendências[1].
A nova forma de governo municipal – os Conselhos de Intendência – foi criada pelo Decreto 13, de 15 de janeiro de 1890. Tais conselhos eram compostos de 3 a 9 membros, responsabilizando-se pela administração municipal. Um dos eleitos deveria ser escolhido para presidir o Conselho. Conforme o artigo terceiro da referida lei, competiam aos conselhos de intendência municipal:

§ 1º Fixar as taxas dos impostos existentes e crear novas fontes de renda.
§ 2º Orçar as receitas e despeza publica do município.
§ 3º Arrecadar a renda e ordenar as despezas.
§ 4º Contrair empréstimos, dentro das forças de sua renda.
§ 5º Ordenar e fazer executar todas as obras municipais.
§6ºProver sobre tudo quanto di respeito à polícia administrativa e econômica do município, assim como sobre a tranqüilidade, segurança, commodidade e saúde dos seus habitantes.
§7ºAlterar, substituir e revogar as actuaes posturas municipaes, decretar novas, si assim exigir o bem do município, podendo commninar penas de até 8 dias de prisão e 30$000 de multa, que serão aggravadas até 30 dias de prisão e 60$000 de multa.
§ 8º Supprimir empregos municipaes e crear novos, marcando os vencimentos; nomear e demittir empregados.

A administração da cidade[2] era feita por um conselho de Intendentes, escolhidos entre os vereadores eleitos ou entre populares, para gerenciar Comissões, ou Intendências, responsáveis pelas diferentes áreas da administração pública, como por exemplo, Comissão de Fazenda e Contas, Justiça e Poderes, Obras e Viação. Estas comissões eram coordenadas por um Intendente Geral, escolhido entre os vereadores eleitos.
No âmbito Federal houve uma comissão destinada a elaborar uma Constituição. Até que esta fosse publicada, governou-se por meio de decretos e portarias.
De fato, a Constituição Federal da República, em 1891, trouxe novos princípios políticos como os apresentados por Silveira (1978, p. 47):

a) regime de governo republicano, federativo e representativo;
b) tripartição dos órgãos da soberania nacional em legislativo, executivo e judiciário;
c) eleições para maiores de 21 anos, exceto os mendigos, analfabetos, praças de pré e religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação,sujeitas a voto de obediência;
d) separação entre Igreja e Estado;
e) igualdade de todos os cidadãos perante a lei;
f) consagração dos direitos do cidadão como: liberdade, segurança individual e propriedade.

Contudo, a Constituição Federal Republicana dispunha sobre a administração dos municípios, deixando isso a cargo das constituições estaduais, motivo pelo qual houve grande variação na estrutura administrativa de Estado para Estado, e de município a município.
Com o advento da Constituição Federal, pretendia-se uma maior autonomia regional, com certa descentralização político-administrativa, concedendo maior importância ao município, que ainda não era, na prática, tratado como a menor unidade da Federação.
Houve grandes debates entre a Comissão Constitucional na capital do país e os positivistas, apoiados pela aristocracia rural. Os primeiros queriam que a Constituição Federal explicitasse como deveriam ser organizados os municípios, enquanto os segundos queriam que isso fosse deixado a cargo dos Estados. Vencedores os defensores da segunda opção, positivou-se seu entendimento no artigo 68 da Carta Magna, devendo os Estados organizarem seus municípios.
O Governo Provisório do Estado de São Paulo atuou por decretos até que também tivesse sua Constituição. O Decreto estadual número 1, de 18 de novembro de 1889, determinou que as funções judiciais e administrativas continuassem sendo exercidas pelos órgãos extintos com o regime republicano (Art. 4).
Entretanto, o Decreto 2, de 25 de novembro de 1889, dissolveu os governos provisórios municipais, dado que houve passagem pacífica do regime anterior para o novo regime.
A Administração Municipal, que era responsabilidade das Câmaras de Vereadores, logo após a Proclamação da República, ficou a cargo de Intendentes. Desempenhavam as mesmas funções administrativas que a Câmara Municipal no município, com mais autonomia do que a que possuía durante o Império, e ainda mesclando uma pequena atividade legislativa.
A lei 16, de 13 de novembro de 1891, regulou o status do município, que passou a ser a base do Estado.A Constituição do Estado de São Paulo tratou do município nos artigos 52 a 56.
Durante esta legislação, o poder legislativo foi exercido pela Câmara Municipal. São Paulo tinha 16 vereadores, Campinas e Santos tinham 12 e as outras cidades tinham 8, até as próximas eleições, quando então passaria a ser um representante para cada 23 mil habitantes, com o mínimo de 6 e máximo de 8 vereadores.O mandato era de três anos, e um dos eleitos devia ser escolhido para presidir a Câmara, e entre esses anualmente um para ser o Intendente Geral, o executivo das deliberações. No entanto, poderia haver mais de um Intendente para exercer o poder executivo, sendo divididas entre eles suas atribuições.
Os municípios tinham liberdade para estabelecer os próprios critérios eleitorais, desde que respeitando a Constituição Estadual e a Constituição Federal.
Em Santos, a nova Intendência Municipaltomou posse em 21 de fevereiro de 1890, de acordo com determinação do Presidente do Estado, e dissolveu a antiga Câmara Municipal:

Palácio do Governo do Estado de S. Paulo, em 19 de Fevereiro de 1890. – 2ª Secção n.– Tendo sido, por Decreto da presente data, dissolvida a Câmara Municipal dessa cidade, e nomeado um Conselho de Intendencia para exercer provisoriamente a administração do município, composto dos cidadãos: [...] assim vos communico para vosso conhecimento e devidos fins – Saúde e Fraternidade – Prudente Jose de Moraes Barros – Aos Cidadãos presidente e vereadores da Câmara Municipal de Santos (Ata da Intendência Municipal de Santos de 21 de fevereiro de 1890).

Até que fosse redigido um regimento interno da Intendência, foi determinado que a administração municipal seria executada por comissões que teriam funções determinadas.
De início foram seis comissões: Viação Pública; Obras municipais; Saúde Pública; Matadouro, Mercado, Lavanderia e Iluminação e Água; Fazenda e Contas; Justiça, Instrução Pública e Estatística. Os membros de tais comissões eram também os membros da Intendência, apesar de a legislação facultar a nomeação de terceiros para esses cargos.
Posteriormente, foi aumentado o número de intendentes de 7 para 9, devido à importância da cidade para o Estado (somente Santos e Campinas, além de São Paulo, tiveram mais vereadores que as demais cidades do Estado).
Com o aumento de Intendentes, novas comissões foram criadas[3]:viação pública; edificações; obras municipais e comércio; saúde pública; matadouro e mercado; iluminação, água e lavanderia; fazenda e contas; justiça, indústria pública e estatísticas; polícia e redação.
O serviço interno da intendência ficou dividido em três seções: Secretaria, Procuradoria e Aferição (responsável pelos funcionários e fiscalização externa).



[1] O Regime das Intendências Municipais, em Santos, teve início em 1889, com a República, e seu fim em 1908, com a eleição do primeiro prefeito.
                                              
[2]A maior parte das informações aqui apresentadas concernentes à Administração Municipal de Santos foram retiradas das Atas das sessões da Câmara Municipal de 1889 a 1895.
[3] Em 07 de abril de 1890, foi aprovado o regimento interno do Conselho de Intendência, e mantiveram-se as comissões.

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