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A intendência municipal e a educação

Com a proclamação da República, foi criado um novo sistema político-administrativo nos municípios, denominado de Intendências Municipais. Nesse período de instabilidades políticas, os grupos políticos existentes disputaram poder, refletindo essa instabilidade.
Especialmente em Santos, a propaganda republicana encontrou um bom palco, atingindo diversas camadas da população.
Assim que chegou a notícia da proclamação da República, foi aclamado um novo governo municipal pela população. Foi eleita esta “junta provisória” com o fim de garantir que a República se estabelecesse pacificamente na região. A aclamação do novo governo foi festejada em toda a cidade com espetáculos, entoação da Marselhesa, e com ampla participação popular, já acostumada com a propaganda republicana na cidade(SANTOS, 1986, p. 247).
Eis o que diz a ata da reunião popular de aclamação à República:
Aos 15 dias do mês de novembro de 1889, no Paço Municipal desta cidade de Santos, em virtude de notícias telegráficas sobre a proclamação da República, o povo reunido e aclamando seu presidente o dr. Martim Francisco Filho, que convidou para secretário o dr. Leão Luís Ribeiro, deliberou:
"Constituir provisoriamente o governo da cidade, [...]"Entender-se com todas as autoridades no sentido de reconhecerem a autoridade do governo provisório e amplos poderes para deliberarem em caso de reação.Do governo provisório, constituído na capital da República, foi recebido um telegrama anunciando a proclamação e adesão à mesma, procedendo-se à leitura do mesmo; o povo recebeu o feliz advento por aclamações e congratula-se com a pátria, pela solução pacífica da questão social, para ela mais poderosa no momento atual.
[...]"Adendo à ata: o governo provisório, em resposta ao telegrama do governo constituído na capital da República, respondeu-lhe: 'Povo de Santos reunido congratula-se pela República. Completa ordem'".
Neste período, a Associação Comercial de Santos[1]tinha grande ingerência nos assuntos municipais, pois, por representar os interesses dos comerciantes locais, visando a melhoria de seus negócios passou a atuar na infraestrutura da cidade, notadamente no desenvolvimento do Porto e no saneamento e iluminação pública, sempre visando aos interesses comerciais de seus membros.
Esta instituição teve participação nos momentos fundamentais para o desenvolvimento da cidade, chegando até mesmo a governá-la diretamente no ano de 1891, ainda que por curto período, de 14 a 30 de dezembro de 1891.Neste período, era presidida por Antônio Carlos da Silva Teles, que transmitiu o poder municipal para a nova Intendência, composta por João Galeão Carvalhal, Lino Cassiano Jardim, Francisco Cruz, Antônio Augusto Bastos, Antônio José Malheiros Júnior, Raimundo Gonçalves Corvelo e Teófilo de Arruda Mendes.
Logo após a proclamação da república houve muita instabilidade política no país, pois foram muitas mudanças na configuração das províncias e dos municípios no que se referem aos poderes regionais e locais. No caso dos municípios com a instalação das intendências não foi diferente. Em Santos, por exemplo, foram muitas as exonerações e as nomeações. As Comissões de Intendência eram constantemente modificadas, para se ter a dimensão dos acontecimentos, só em dezembro de 1891 chegou-se a ter 12 exonerações.
O Estado tentava impor suas intenções com relação aos negócios da cidade, procurando apoio político ainda que à custa da adesão dos republicanos de última hora, ou seja, aqueles que até o fim do Império haviam apoiado o regime monárquico, e que com o advento da República pretendiam continuar exercendo cargos no novo regime. Outro problema era o da representatividade, ou forma de exercício do poder na República. É assim que se tem a primeira divisão entre os republicanos santistas:
Logo que se proclamou a República, o Partido Republicano de Santos se desentendeu com a direção do Partido Republicano Paulista, que, inclusive, dirigia o governo local, acerca da nomeação de uma Intendência que sucedesse à edilidade dissolvida da cidade de Santos. Dentro do PR santista a situação era encarada de duas formas: uma em que se considerava que o poder deveria ser constituído ou delegado por iniciativa popular, em coerência com os princípios democráticos; outra que considerava que devia atender-se a todas as ordens emanadas dos poderes constituídos depois de 15 de novembro de 1889. Atrás dessas duas posições um outro problema se apresentava: a atribuição de  cargos aos elementos republicanos antigos, pela luta em favor do regime; e na atribuição de cargo a elementos recém-convertidos à fé republicana. A divergência dá origem à cisão do PR, do qual uma ala passa a constituir o Club Nacional, agrupamento a que Prudente de Moraes, então presidente de São Paulo, deu o seu apoio. Era partidária da segunda posição. A outra ala, formando o Centro Republicano, apelava para as prerrogativas dos republicanos históricos como leais defensores do pensamento democrático (SILVEIRA, 1978, p. 83).
O Centro Republicano acusava Prudente de Moraes de pensar que a Pátria era patrimônio dos ricos e tutelada pela burguesia.O que nos dá indícios de que esses republicanos santistas pretendiam uma política com maior participação popular, mormente das classes não favorecidas.
Neste início de República, a Constituição Federal e Estadual deixaram margem para que os municípios tivessem a liberdade de regular sua forma interna de organização, de acordo com seu “peculiar interesse”. Contudo, isso não se deu sem ameaças à autonomia dos municípios, sem disputas de forças e sem que cada esfera do governo pretendesse exercer sua influência política para atingir seus interesses.
Um indício de que havia a necessidade de lei que regulasse a administração santista, protegendo-a dos interesses da interferência externa, já era sentida nos grupos de políticos e intelectuais da cidade. O requerimento de 3 de agosto de 1893, do Dr. Adolfo Porchat de Assis, ilustra isso. Em tal documento, o médico solicitou à Câmara a impressão de uma “Constituição Municipal”, confeccionada por ele mesmo nas suas “horas de lazeres”.
O discurso feito por Manuel Maria Tourinho, no ato da assinatura da Constituição Política de Santos, deixa clara a intenção de autonomia municipal buscada com a nova lei:

A Constituição Política do Município de Santos há muito tornou-se uma necessidade. Com ela está o município ao abrigo dos botes traiçoeiros, que porventura os mal-intencionados queiram dar-lhe. Com ela, estas cadeiras serão garantidas aos eleitos do povo soberano, não mais havendo a intervenção de um poder intruso na vida política do município. Com ela, a autonomia plena, a liberdade em toda a extensão de sua divina palavra, a égide, finalmente, protetora dos nossos direitos(Ata da Intendência Municipal de Santos de 15/11/1894, grifo nosso).

A autonomia do município e a cidadania do munícipe estão intimamente ligadas: “Se os direitos políticos significam participação no governo, uma diminuição no poder do governo reduz também a relevância do direito de participar” (CARVALHO, 2001 p. 13)E ainda nos ensina Leal:
Se garantida juridicamente contra a intromissão do poder estadual e assentada em sólida base financeira, a autonomia do município seria naturalmente exercida, no regime representativo, pela maioria do eleitorado, através de seus mandatários nomeados nas urnas. Mas com a autonomia legal cerceada por diversas formas, o exercício de uma autonomia extralegal fica dependendo inteiramente das concessões do governo estadual. Já não será um direito da maioria do eleitorado; será uma dádiva do poder. (1986, p. 72)
Diante disso, vemos que os defensores da cidadania combatem também pela autonomia de poder, sendo uma pressuposto da outra.



[1]A Associação Comercial, desde sua fundação em 22 de dezembro de 1870, por um grupo de comerciantes locais, era a entidade que representava os interesses da elite comercial da cidade de Santos. A maior parte de seus membros e presidentes era envolvida com o comércio do café, principalmente comissários, ainda que congregasse banqueiros e comerciantes de importação e exportação. É a associação comercial mais antiga do Estado de São Paulo e a quarta do país (PEREIRA, 1980. pp. 68-69).

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