O
primeiro grupo escolar criado em Santos foi o Cesário Bastos, de 1900.No
entanto, já estava em discussão a ideia da necessidade de mais escolas pelo
menos há mais de uma década.
Isto
porque na década de 1890 ainda não existiam na cidade escolas
direcionadas ao ensino gratuito que pudessem comportar todas as crianças da
cidade, mas:
[...] em 1869,
existiam duas cadeiras masculinas e duas femininas, aumentando para três
masculinas e três femininas, em 1879, da rede estadual. Já no ensino municipal,
havia a Escola Olavo Bilac, criada pela Lei nº 97 de 12/05/1897, composta por
oito classes diurnas não reunidas (VIEIRA, 2011).
Portanto,
pode-se perceber que Santos estagnou na área da educação pública durante 20
anos, a despeito de que a população ter crescido a cada ano. Essa situação
tornou necessário um ensino de qualidade que pudesse comportar todas as
crianças em idade de alfabetização em escolas com boa estrutura.
[...] em 1873,
quando a população de Santos, era apenas de 14 mil almas, o numero das escolas
publicas erão de 6, para ambos os sexos, e que hoje passados 20 annos, sendo a
população de 30.000 almas, o que dá uma população escolar de 1800 parvulos, nas
condições de começarem a aprendizagem, são apenas mantidas as mesmas 6 escolas
daquella época(ofício de agosto de 1893).
Parte da elite da cidade, possivelmente
movida pelo desejo de ter seus nomes perpetuados e ligados ao legado
educacional, atuou em prol da educação. É o caso do comerciante de café Barnabé
Francisco Vaz de Carvalhaes[1], falecido em 1892, que legou em seu testamento verba para criação
de uma escola pública, com a condição de que a mesma levasse seu nome.
Barnabé, oriundo de uma família abastada, tinha algumas
propriedades em seu nome em Santos, sendo uma delas a famosa Ilha Barnabé,
também conhecida como Ilha dos Padres. A Câmara estava ciente de que lhe foi
legada uma quantia em dinheiro juntamente com a 7ª parte da dita ilha, e era
preciso que se iniciasse a transferência desta documentação para os cofres
municipais. Começaram então alguns debates provenientes desta divisão de
terrenos(CARDOSO, 2011 p. 28).
Apesar do chamado “Legado Barnabé” ter
sido transmitido ao Conselho de Intendência em 1892, somente em 1894 os
intendentes produziram um projeto de lei para a constituição da escola.
Tratando das
normas e finalidades da escola, Julia ajuda a refletir sobre o papel da escola
no início republicano santista – período de leis, debates e conflitos:
[...] os textos normativos devem sempre nos reenviar às
práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos
que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à
escola (JULIA, 2001, p. 19).
E
esses conflitos de projetos podem ser percebidos nos debates da câmara. Um exemplo
encontra-se na divisão entre os intendentes para a aprovação do Projeto de Lei.
Votaram a favor: Antônio Manoel Fernandes, Sacramento Macuco e Antônio Vieira
Figueiredo. O vereador Martins, alegando ainda não ter recebido o dinheiro
legado, solicitou o adiamento da votação por querer estudar melhor o caso e
então foi adiada (Ata da sessão do dia 04 de outubro de 1894).
O primeiro Projeto de Lei foi proposto pelo intendente
Antônio Manuel Fernandes[2] e determinava a criação de
uma escola modelo, com a construção de prédio nos moldes higienistas. Nas sessões
das atas foi possível perceber que havia um impasse para que o Projeto de Lei
fosse concretizado por justamente ter esta diversidade de opiniões sobre o
assunto.
Em
parecer de 1895, no qual pede que a escola seja administrada exclusivamente
pelo município, o então presidente do Conselho de Intendentes, Dr. Manuel Maria
Tourinho, diz:
Considerando que é dever dos municípios deixarem bem
eloquentemente provado aos posteros os seus exforços em beneficio da educação
intellectual dos que nelles residem:
Considerando que a municipalidade entregando ao Estado um
legado destinado a instruir o povo, ficará, com o correr dos annos,
absolutamente esquecida em relação ao assumpto:
Considerando que este exemplo arredará da municipalidade a
munificencia particular, em favor do Estado, considerado, assim, o unico em
condições de arcar com as dificuldades em prol do ensino[...].
Considerando, principalmente, ser assumpto controverso o
poder a Assemblea Municipal transferir a outrem um legado que lhe foi
instituído para um fim especial, indo, assim, de encontro à ultima vontade,
sempre respeitada e sagrada, de um testador:[...]
Resolvo, fundado no paragrapho unico do art. 18 da
Constituição Politica deste município, pedir a essa illustre Assemblea, em nome
dos seus elevados créditos, que applique o legado Barnabé no estabelecimento de
uma escóla sua, inspeccionada exclusivamnete por si.
Santos 23 de Janeiro de 1895.
Dr. Manoel Maria Tourinho
O
Intendente deixa transparecer em seu texto seu temor pela autonomia da administração
municipal nos assuntos que dizem respeito à instrução pública, bem como, o
receio de entregar ao governo do Estado de São Paulo o legado.
Aliás, eram muitas as divergências,
chegando-se mesmo a duvidar da lisura de intenções para a aplicação da verba
destinada pelo “legado” para a criação da escola:
No mês de julho de 1895 o senhor
Antonio Manoel Fernandes havia acabado de assumir o posto de intendente,
anteriormente ocupado pelo senhor Figueiredo, e deparou-se com a falta do
dinheiro do legado Barnabé que supostamente já se encontrava na Câmara e então
oficiou ao governo estadual para que averiguassem o caso. Em agosto do mesmo
ano o promotor Manoel Galeão Carvalhal abriu um inquérito a fim de apurar o que
de fato aconteceu, solicitou exames nos livros da Câmara e um interrogatório
junto à polícia das testemunhas envolvidas no caso, sendo tais solicitações
acatadas imediatamente pelo senhor Fernandes, que montou uma comissão especial
para o cumprimento desta determinação. (CARDOSO, 2011, p. 30)
Antônio
Manuel Fernandes foi um dos intendentes que mais se empenhou para a aplicação
do legado Barnabé, tendo inclusive proposto o regulamento da escola, baseado
nas normas da instrução pública estaduais, prevendo as formas de fiscalização e
direção da escola, disciplinas, funcionamento da escola, bem como orçamento
para construção do prédio e compra dos materiais, e até mesmo o programa de
ensino:
Haverá curso primário e curso intermediário, com o seguinte
programma:
(a) Arte de leitura, leituras correntes, calligraphia,
calculo mental, as quatro operações fundamentaes, ensino de cousas, rudimentos
de arithmetica,systema métrico decimal, rudimentos de Historia Patria, idem de
Geographia, palleographia e rudimentos de Portuguez.
Educação cívica e moral; desenho limiar e rudimentos de
musica, no curso primário.
(b) Selecta de autores nacionaes, constituições Federal e
Estadoal, Historia Patria, Geographia Patria, Grammatica portugueza,
Arithimetica, Geometria (planeometria), systema métrico, calligraphia palleographia,
desenho applicado as artes musica vocal e instrumenthal no curso intermediário.
(c) Num curso e noutro, a educação physica constará de
gynnastica das escolas, com apparelhos apropriados ao ensino; escola de passo,
passeios, etc.
(d) Logo que a Camara disponha de recursos creará os cursos
profissionaes artes e officios, onde serão professadas as disciplinas que mais
possam aproveitar ao progresso dos alunnos(Projeto
de regulamento, 1893).
Ficou
decidida a criação da escola, em parceria com o poder Estadual, no ano de 1895.
O Estado ficou responsável pela supervisão da escola, pelo pagamento dos
funcionários e pela construção do edifício, enquanto o município repassou o
dinheiro relativo ao “legado Barnabé”, além de um terreno cedido:
A praça “Corrêa de Mello” por Lei
da Assembléia Municipal ficou à disposição do Governo do Estado acompanhando o
legado Barnabé para a edificação de um grupo de eschola sob o nome d’aquelle
notável santista. (Oficio de 7 de
março de 1895)
Contudo, os
embates entre Estado e Município não terminaram. As desavenças entre as esferas
da federação se manifestaram, por exemplo, com relação ao cumprimento dos
prazos para a construção do edifício escolar:
“A Camara Municipal de Santos,
reunida em sessão especial, depois de haver por espirito de conciliação, para
evitar litigeos officiados mais de uma vez do governo do Estado, perguntado a
este se construia ou não a “Escola Barnabé”, sem que merecesse resposta, depois
de haver invidado todos os esforços para manter bôa harmonia e cordialidade nas
relações existentes entre as duas identidades administrativas – Municipalidade
e Estado – harmonia que considera ele muito basica da mais alta importancia
para o systema democratico vigente na Patria Brasileira, vio, com dolorosa
surpresa o acto violento do governo, mandando embargar as obras do projectado
mercado, que se estava construindo em a Praça Correia de Mello e isto por uma
verdadeira e caracteristica emulação, quando é certo, que apezar de poder a
camara considerar de nenhum affeito a lei nº 20 de 1º de Fevereiro de 1895, por
deferencia e cordura, offereceu ao governo o terreno visinho à Praça, ou
qualquer outra; em taes circunstancias não pode deixar de protestar a Camara Municipal,
como de facto protesta em nome do municipio de Santos contra tão intempestivo e
irregular procedimento e affirma solenemente a sua resolução de fazer manter
pelos meios permithidos, os direitos que lhe assistem, lamentando ao mesmo
tempo tão doloroso conflicto (Ata,
1896/1898).
A inauguração da Escola Barnabé só aconteceu em 1902,
quando Santos já possuía o Grupo Escolar Dr. Cesário Bastos desde 1900. Este,
contudo, não possuía prédio adequado, funcionando até 1915 em prédio alugado.
Na figura abaixo vemos o prédio da Escola Barnabé nos primeiros anos após sua
fundação, e podemos notar que era um prédio imponente e de destaque na paisagem
do centro da cidade.
A criação do Grupo
Escolar Barnabé se fez com o cuidado de ser acompanhado de um edifício nos moldes dos
“Templos de Civilização”, com características determinadas em seu projeto de
criação:
Importancia do
edificio onde funccionarão a Escola do Barnabé e a Bibliotheca Municipal,
devendo constar de dois pavimentos, um terreo e outro superior, tendo o
pavimento terreo 1 sala de recepção de 20 metros de area 1 gabinete e 1 sala
para as aulas, com 45 metros de area e ao fundo quartos para secretas,
mictorios e lavatorio; o pavimento superior, duas salas que accompanham o
edificio em largura e comprimento, 1 para secretaria e mesa de leitura, e outra
para bibliotheca propriamente.
O edificio será cercado de janellas, terá projecção de luz
pelo lado direito, ventilação, hygiene e solidez, compatíveis as necessidades
pedagógicas (Projeto de regulamento,
1893).
A
importância dada à arquitetura dos edifícios escolares do período republicano é
explicada por Souza (1998):
[...] os edifícios
dos primeiros grupos escolares puderam sintetizar todo o projeto político
atribuído à educação popular: convencer, educar, dar-se a ver! O edifício
escolar torna-se portador de uma identificação arquitetônica que o diferenciava
dos demais edifícios públicos e civis ao mesmo tempo em que o identificava como
um espaço próprio – lugar específico para as atividades de ensino e do trabalho
docente (SOUZA, 1998, p. 123).
Percebe-se
a preocupação com a saúde da criança, uma vez que, no final do século XIX, a
cidade foi devastada por inúmeras epidemias, forçando uma atitude rígida por
parte das autoridades, o que se refletiu nos espaços escolares:
Petição dos Paes,
tutores ou curadores ao presidente da Camara, pedindo lugar na escola para o menor;
Maiores de 7 annos
e menores de 13;
Att.Estado de
vaccina do medico municipal.
O presidente da
Camara despachará as petições de matricula, depois de ouvir a informação do
professor. (Projeto de regulamento,
1893)
A
localização da escola, bem no centro da cidade, possibilitou que a mesma
atendesse os filhos dos trabalhadores, muitos dos quais viviam nos cortiços da
região portuária, o que foi muito importante para diminuir a carência da
educação popular santista.
[1] Barnabé
Francisco Vaz de Carvalhaes [...] nasceu a 24 de fevereiro de 1829 em Santos e
faleceu em Paris em dezembro de 1892. Foi o mais lustroso rebento da árvore dos
antigos Carvalhaes. Demonstrou ele várias vezes amor à instrução, estendendo
sobre esta, mesmo de longe, a sua munificência. Um dos jornais do Rio, de 1887,
corrobora a nossa afirmativa com esta notícia: “O antigo negociante brasileiro,
há alguns anos residente na Europa, enviou ao seu particular amigo, o Sr
Bittencourt da Silva, a quantia de 1:000$000 para Liceu de Artes e
Ofícios.”(SOBRINHO, 1953, p. 324).
[2] Antônio Manoel Fernandes -
Nascido em Santos, a 5 de dezembro de 1843, como filho legítimo de Manoel
Fernandes e de d. Etelvina M. de Jesus Fernandes. Estudou primeiras letras em
Santos, e na idade de 15 anos seguiu para São Paulo, a fim de fazer os preparatórios
no Colégio Paulistano, de onde saiu em 1861, para matricular-se no primeiro ano
da Academia de Direito. Não se sabe por que, porém, deixou de formar-se,
abandonando a faculdade quando já cursava o seu terceiro ano.
Voltando para Santos, sujeitou-se a concurso de
primeira e segunda entrância para provimento de um cargo na Alfândega local,
cargo esse que exerceu durante algum tempo.
Amigo da instrução, auxiliado por
alguns cidadãos e companheiros, principalmente Sacramento Macuco, fundou e sustentou
por quase cinco anos a Escola do Povo, aula noturna, frequentada por todas as
classes, sendo um dos professores gratuitos da mesma escola. Ocupou mais tarde
o cargo de juiz de paz, por indicação do dr. Américo Brasiliense [...] (IHGS,
S.d., S.p.).
Comentários
Postar um comentário