Outra Instituição de grande importância
para compreender a questão da escolarização em Santos é a Academia de Comércio
de Santos, criada em 1907, já no fim do período das Intendências Municipais. As
grandes transformações culturais e socioeconômicas ocorridas em Santos na
passagem do século XIX para o XX, criaram novas demandas nas práticas
comerciais e estas podem ter propiciado a fundação de uma escola de comércio.
Andrade (1978, p. 116) trata da forma como
o café trouxe nova dinâmica a Santos, com suas novas “necessidades ligadas aos
problemas de sua exportação”’, como o tempo de permanência dos navios no porto,
a armazenagem do café, a exigência de concretização de contratos ou acordos
comerciais. As operações, antes feitas entre pessoas com ligações pessoais e na
base da confiança, com o aumento do volume dos negócios cedem lugar ao
financiamento deste intenso comércio, a diferentes bancos de crédito agrícola
como o Banco de Crédito Real, o Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola, o que
passou a exigir contratos mais técnicos e impessoais (PEREIRA, 1980, p. 162).
Para acompanhar as mudanças, as antigas
práticas de comercialização precisariam se modernizar. Mudou-se a representação
do que era adequado na forma de escrituração comercial. Passou-se a considerar
que o que era aprendido informalmente, através da experiência, poderia ser mais
adequadamente ensinado em escolas, através de uma formação mais técnica, ligada
à modernidade.
Isto levou parte da população,
especialmente os comerciantes, com o apoio de educadores, a pressionar o
Conselho de Intendência, então responsável pela administração municipal, para
que fosse criada uma Academia de Comércio na cidade.Isso se tornou realidade
quando, em novembro de 1907[1],
a Câmara Municipal aprovou a lei n° 281, proposta pelo então Inspetor
Literário, Dr. Raymundo Sóter de Araújo[2],
e sancionada pelo então Intendente Municipal, o tenente-coronel Cincinato
Martins Costa.
Diana Vidal, analisando os conceitos de
cultura escolar, forma escolar e gramática da escola, aponta que Guy Vincent,
ao interrogar-se sobre a os três elementos constitutivos da instituição escolar
(espaço, tempo e relação pedagógica), percebia a gênese desse modelo em um
determinado período histórico:
Guy Vincent
considerava que a forma escolar criada por La Salle havia sido mantida em sua
essência (permanecendo como tal até os dias de hoje). Para Vincent, a alteração
fundamental foi operada em grande parte pela passagem de uma cultura fundada na
oralidade para uma cultura escritural, baseada na difusão da palavra escrita
(crescimento da alfabetização), mas principalmente na organização do pensamento
e da relação do homem com o mundo pela lógica escritural(VIDAL, 2005, p. 38).
Essa “cultura escritural” se deu por meio
de um processo de formalização do ensino, que se desenvolveu no tempo e passou
a considerar necessário um tipo específico de formação a partir de certos
modelos que influenciam a instituição escolar até nossos dias.
Até 1867, a cidade de Santos, portuária,
possuía uma tradição comercial, mas prioritariamente oral. Com a inauguração do
transporte via ferrovia, de Jundiaí a Santos, houve um avanço no transporte de
mercadorias para o porto de Santos. O
que tornou necessária e urgente a modernização do porto, pois os trapiches e
pontes de madeira já não davam conta da intensa movimentação de mercadorias e
pessoas.
Antes da
construção do cais e da transformação do trabalho portuário, moldando-se aos
ideais capitalistas, o trabalho ocorria segundo costumes[3]
gradualmente instituídos.
Tendo em vista que a característica
fundamental de um sistema portuário capitalista está na racionalização do
processo produtivo, como numa fábrica, diminuindo o tempo de armazenagem e de
embarque (HONORATO, 1996,p. 157), tornou-se necessário também qualificar a mão
de obra das empresas ligadas ao comércio portuário, orientando-o de uma maneira
mais racional.
As mudanças trazidas pelo ingresso da
cidade em um mundo “moderno” trouxeram, portanto, consequências na educação.
Trabalhar em uma
cidade na qual a cultura escrita progredia, sem domínio das primeiras letras,
era ficar à margem de certos postos de trabalho. Com o incremento do movimento
portuário, multiplicaram-se as oportunidades de emprego em casas de importação
e exportação, bancos, companhias de navegação e outros grandes estabelecimentos
comerciais (VIEIRA; CALEFFI, 2009).
Além das mudanças mais visualmente
perceptíveis, ocorreram mudanças na cultura, na qual a oralidade, até então
predominante, passou a ser gradualmente invadida pela escrita. Cruz (2000,
p.66) aponta que:
Nas ultimas décadas do século passado [i.e., XIX],
misturada às necessidades colocadas pelo desenvolvimento das escritas e
controles mercantis, obedecendo aos ditames da “vulgarização” impostos pela
propaganda, transportada na velocidade dos novos serviços de correios e
telégrafos e articulada às novas linguagens visuais da modernidade, a escrita
desce do pedestal e começa a invadir a vida cotidiana da cidade.
Como resultado, as transações comerciais e
a divulgação de mercadorias passaram a dar-se através de novas fórmulas.
Jornais estampavam os “reclames” dos produtos, a movimentação dos navios, a
quantidade de mercadorias e os balancetes das várias firmas.
A conjuntura apresentada foi propícia à
criação da Academia de Comércio na cidade. Em novembro de 1907, a Câmara
Municipal aprovou a lei n° 281, sancionada pelo então Intendente Municipal, o
tenente-coronel Cincinato Martins Costa.
No seu trabalho sobre a evolução do ensino
de contabilidade no Brasil. Peleias (et alii, 2007, p. 10) mencionam que entre
1889 e 1931 houve grandes alterações nos cursos comerciais, que se estruturam e
adequaram-se às novas necessidades do mercado.
A criação da Academia do Comércio foi, por muitos anos,
insistentemente reclamada por um movimento de cidadãos santistas e pela própria
Associação Comercial, mas só foi atendida no último ano do período da
Intendência Municipal, quando as condições sócio-políticas foram favoráveis.
A Lei que criou a escola, proposta pelo
então Inspetor Literário Dr. Raymundo Sóter de Araújo[4]
e aprovada por diversos vereadores, estabeleceu que esta manteria dois cursos.
O primeiro, geral, teria por objetivo
formar guarda-livros, peritos judiciais e profissionais habilitados em funções
da Fazenda, à semelhança do curso oferecido no Rio de Janeiro como sendo de formação geral e prático(PELEIAS et
alii, 2007, p. 11).
O segundo, considerado especial superior, segundo a Lei
aprovada em Santos,
habilitando mais, para os cargos de agentes consulares,
funccionários do Ministérios das Relações Exteriores, actuários, de companhias
de seguros e chefes de contabilidade de estabelecimentos bancários e grandes emprezas commerciaes.
Nesta escola, procurava-se formar
profissionais preparados para os serviços portuários, bancários, contábeis,
alfandegários, além de agentes de navegação marítima e administradores para o
comércio cafeeiro, ou seja, para toda uma gama de profissões e postos de
trabalhos que começavam a surgir com o crescimento das exportações pelo Porto e
com o desenvolvimento de Santos. Este tipo de formação tornava-se necessária
devido ao advento de diferentes empresas comerciais para a região.
Como primeiro diretor foi nomeado o Sr.
Aquilino do Amaral, tendo por secretário o Sr. João de Abreu. Embora o
Regimento Interno previsse a permanência do diretor no cargo pelo menos durante
três anos, em 1908 o Diretor e seu Secretário foram demitidos pelo prefeito
eleito, o que causou intensos protestos na Câmara, principalmente pelo Dr.
Galeão Carvalhal.
Matricularam-se na Academia de Comércio
pessoas que pretendiam ingressar em atividades comerciais, mas principalmente
aquelas que já trabalhavam no comércio e que buscavam qualificação.
O curso era
oferecido no período diurno e a maioria dos alunos tinha dificuldades em
freqüentaras aulas devido ao trabalho. Inicialmente, no primeiro ano,
matricularam-se 28 alunos. Sete desistiram, restando 21. Desses, a frequência
média foi de 50%, índice bastante baixo. No final do curso sabe-se que apenas
um aluno desta turma formou-se, Valentim Bouças, que se tornou economista de
nome reconhecido no meio comercial (VIEIRA; CALEFFI, 2009).
A despeito disso, assumiu a Diretoria o
Dr. Adolpho Porchat de Assis[5],
médico que fazia parte de um grupo de intelectuais da cidade envolvidos com
novas propostas educacionais e cuja rede de sociabilidade incluía pessoas da
cidade com formação superior, como médicos, advogados, engenheiros e outros
intelectuais. Foram eles os primeiros professores da Academia do Comércio.
Desses educadores, alguns assumiram
disciplinas de caráter mais geral, como Adolpho Porchat de Assis, que foi
professor de Geographia Geral e
especialmente do Brasil e João Carvalhal Filho, de Historia do Brazil.
Outros lecionaram disciplinas mais
especificamente profissionalizantes, como Benedicto Calixto de
Jesus, Calligraphia, Desenho Linear e
Industrial, Waldomiro Silveira, Noções
de Direito Constitucional, Civil, Industrial e Commercial e Prática Jurídica, e
José Caetano Munhoz, Contabilidade
Mercantil e Legislação de Fazenda Aduaneira.
No seu primeiro relatório apresentado à
Câmara, Porchat de Assis justifica as alterações no estatuto alegando que a
vida social santista era:
[...] de difficil adaptação aos processos geraes
pedagógicos, pela facilidade de fugir nossa mocidade à sua engrenagem, por
encontrar na esphera circumscripta da vida
comercial em que nos achamos, uma movimentação autônoma e portanto, livre
completamente, mais seductora mesmo quanto ao lado prático e de futuro na lucta
pela vida[6].
Isto porque os jovens alunos, muitas vezes
já empregados e envolvidos nas atividades comerciais, deixavam de frequentar as
aulas. Artigo publicado no jornal Diário de Santos[7]
insiste na importância e na dedicação que os alunos devem ter nos estudos, e ao
final pergunta: “[...] não seria proveitoso abandonar uma ou duas horas,
durante alguns dias da semana, os cinemas e cafés e as flanações para dar ao
espírito o conhecimento os necessários e elevá-lo à altura de produzir algo de
distincto e aproveitável no seio de uma classe?” Este comentário dá indícios de
que as ausências podem não se dever apenas à dedicação que os jovens tinham ao
trabalho.
Assim, para acolher os alunos que eram
impossibilitados de frequentar todas as aulas, ou se interessavam apenas por
uma disciplina específica, mas sem descuidar da obrigatoriedade da frequência
às aulas, o novo regulamento criou três classes de alunos: matriculados
(obrigados a frequentar o curso), livres e ouvintes (transição entre as duas
classes). Os alunos excluídos do primeiro grupo, provavelmente pelo número de
faltas, eram incluídos como livres. A classe de ouvintes deveria atender
aqueles que se interessassem por disciplinas ou aulas específicas.
Oportunidades de trabalho qualificado
aumentaram em função do aumento do volume das importações e exportações, da
movimentação de passageiros, da expansão da Cia. Docas, entre outros. O mercado
internacional passou, também, gradativamente, a ter mais influência sobre o
mercado interno, exigindo o acompanhamento das movimentações comerciais
estrangeiras.
[1] A criação da Academia do Comércio, por muitos anos insistentemente
reclamada por cidadãos santistas e pela própria Associação Comercial, só foi
atendida no último ano do período da Intendência Municipal, quando as condições
sócio-políticas foram favoráveis.
[2]Médico formado pela Escola
de Medicina da Bahia. Atuou em Santos no combate às epidemias do século XIX,
foi Intendente de Higiene, Inspetor Literário e Vereador por várias
legislaturas. Fundou com Carlos Escobar e o médico Silvério Fontes o jornal Questão Social e o Centro Socialista de
Santos.
[3]Thompson (2008, p.88) descreve
os costumes como [...] crenças não escritas, normas sociológicas e usos
asseverados na prática, mas jamais registrados por qualquer regulamento.
[4]Médico formado pela Escola
de Medicina da Bahia, atuou em Santos no combate às epidemias do século XIX,
foi Intendente de Higiene, Inspetor Literário e Vereador por várias
legislaturas. Fundou com Carlos Escobar e o médico Silvério Fontes o jornal Questão Social e o Centro Socialista de Santos.
[5]Médico Formado pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1885, atuou como médico na Câmara
Municipal de Santos, na Associação Beneficente da Cia. Docas, entre outras.
Lecionou na Academia de Comércio de Santos, no Liceu Feminino Santista e no
Instituto D. Escolástica Rosa.
[6]Relatório da Academia de
Comércio de Santos, apresentado à Câmara Municipal relativo ao ano de 1908, p.
52.
[7]Jornal Diário de Santos de 23/04/1913.
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