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Transformações na cidade de Santos na virada entre os séculos XIX e XX

O estudo da cidade é importante para compreender a trajetória dos indivíduos e de suas ideias políticas, sociais e educacionais, tendo em vistas as condições que articulam a cidade e seus intelectuais.
Esse espaço (a cidade) é, portanto, produto e produtor das ações dos atores individuais e coletivos que nela vivem... Investigar quaisquer manifestações culturais sob a ótica do urbano é trabalhar com a cidade enquanto um campo de possibilidades que delimita as escolhas realizadas por seus atores, dando a elas significados apreensíveis pelas próprias experiências por eles compartilhadas” (GOMES, 1999, p. 23).
Santos é uma das povoações mais antigas do Brasil, mas até o início do século XIX foi uma vila pequena e sem grande expressão, assim como São Paulo. Fica situada em uma ilha a aproximadamente 70km da capital do Estado, é dotada de um estuário com acesso ao mar aberto, o que possibilita um porto favorável à atracação de embarcações.
Uma exígua população viva do que produzia o mar, de pesca e atividades econômicas como a extração do sal marinho e a comercialização do óleo de baleia.
A cidade de Santos foi importante por seu porto desde o período colonial, quando escoava a produção canavieira, no entanto teve grande crescimento após concentrar a maior parte da exportação do café a partir de meados do século XIX:
“A expansão do cultivo de café e as riquezas advindas desse comércio fizeram o país experimentar notável impulso de progresso e de transformações sociais. As cidades que estivessem no caminho dessesistema exportador sofreriam enormes transformações. Suas funções seriam redefinidas e seus espações internos redistribuídos”. (SANTOS 2008 p. 26)

Em meados da década de 1830, com o deslocamento do centro dinâmico da economia cafeeira para o Planalto Paulista, o porto de Santos assumiu uma posição cada vez mais estratégica na economia nacional. Foi graças a ele que Santos se desenvolveu e ganhou importância por suas atividades comerciais, ainda no início do século XIX com o início da exportação do açúcar produzido no interior da Província de São Paulo, embora só tenha conhecido a prosperidade após sua escolha como “O porto do café” [1].
André Rosemberg (2006, p. 194) destaca a importância da cidade ao comparas Santos ao Rio de Janeiro, ambas cidades portuárias, sujeitas à movimentação de ideias que chegavam nos navios, e por isso palco do abolicionismo e da “luta pela liberdade” (2006, p.283)

Transformações na cidade
O grande movimento do comércio do café revelou que a cidade ainda não possuía a infraestrutura necessária às novas demandas.
Por causa das péssimas condições da cidade, Santos frequentemente era vítima de severas epidemias. O porto não estava preparado para o embarque do crescente número de sacas de café. A população possuía hábitos a serem modificados, incompatíveis com o que se pretendia em termos de “civilização”.
A busca pelo saneamento, urbanização e embelezamento da cidade estavam intimamente relacionados à tentativa de evitar que fossem prejudicadas as exportações, o comércio local e os grandes produtores de café. Assim, a cidade cresce e se moderniza como consequência do comércio de café.
Embora já existisse preocupação com as mudanças necessárias à cidade, na passagem do século XIX para o XX a municipalidade não dispunha dos recursos necessários para implementá-las. O café trazia grandes dividendos para as esferas estadual e federal. Frente ao possível prejuízo pela falta de investimentos na infraestrutura da cidade, o governo federal interviu abrindo nova concessão para a modernização do porto e o governo do Estado providenciou o saneamento. Saneamento, urbanização e construção do cais do porto foram obras com o objetivo de modernização da cidade, para melhoria e eficiência do comércio crescente de café.

Os primeiros anos da República traziam para Santos dois grandes desafios: a erradicação das epidemias que, por mais de sessenta anos, assolavam a cidade e a preparação da infraestrutura urbana e humana para o aumento do comércio e a crescente exportação do café.
Até os primeiros anos do século XX a cidade de Santos limitava-se ao atual Centro. A expansão urbana e a modernização da cidade só terão maior impulso a partir da incrementação do já movimentado porto com o crescimento das exportações do café. O início da construção dos canais em 1907 também foi importante porque ajudou a resolver a questão das inundações.
Apesar do grande movimento do comércio do café, a cidade ainda não possuía a infraestrutura para comportar suficientemente as novas demandas. Por causa também das péssimas condições ambientais da cidade Santos frequentemente era vítima de severas epidemias de febre amarela, malária e varíola.
A soma das más condições ambientais, terrenos alagadiços que não permitiam o escoamento da água e dos esgotos, o lixo produzido pelo grande número de habitantes que viviam em cortiços na pequena região da cidade e os detritos produzidos pelos animais de carga que serviam os armazéns, trazendo e levando produtos do porto, era ideal para a proliferação de doenças e dificultava seu tratamento.
Por esse motivo, o Porto de Santos passou a ser conhecido como “porto maldito”, o que acabou por fazer com que as companhias armadoras começassem a evitar esse destino, atrapalhando as exportações, o comércio local e dos grandes produtores de café.



Urgência das autoridades tratarem da higiene
Com relação ao combate às epidemias e preocupações com o sanitarismo, pode-se destacar a atuação de Vicente de Carvalho. A nível estadual, criou o Instituto Pasteur (Instituto Bacteriológico de São Paulo) para combater as epidemias no Estado e trouxe o sanitarista A. Fuertes para trabalhar no saneamento de Santos.
Em Santos a Junta Municipal de higiene foi criada em 1890, formada por médicos e engenheiros. Era presidida por Sóter de Araujo, ao lado de Silvério Fontes, Manuel Maria Tourinho e outros. Tinha como objetivo solucionar os problemas sanitários da cidade (Relatório do Intendente Municipal de 1891, p, 38). Em seu primeiro ano de existência esse grupo apontou o grande número de moléstias que afligiam a cidade e justificou que não fez mais por não dispor de dinheiro suficiente para tanto. Neste mesmo relatório a Junta fez uma análise dos problemas enfrentados[2] e elabora um plano de ações.
Esse Plano Geral previa como soluções: organização do serviço médico municipal; construção de um hospital de isolamento; condenação dos cortiços; construção de alojamento para os imigrantes e limpeza das praias, todos dados técnicos demonstram uma preocupação com os novos problemas enfrentados pela cidade.

Vários foram os problemas encontrado pela nova forma de governo. Nas atas das sessões da Câmara e nos trabalhos sobre o período encontramos a recorrência de alguns temas que serão abordados na sequência a questão da Saúde e as epidemias que assolaram a região no século XIX, a solução Urbanística encontrada, que modificou a cidade, seguido pela grande afluência de Imigrantes e o crescimento populacional da região, o Trabalho no porto e na cidade, e por fim a questão da Educação, encarada como meio para a modernização e progresso tão almejados na época.
Saúde
A cidade vinha enfrentando, por vários anos, problemas sanitários, que originavam e propagavam diferentes epidemias, sendo deixada à própria sorte pelos governos estadual e federal. Estes só voltaram seus olhos para a cidade com o desenvolvimento do comércio de exportação, principalmente de café, no final do século XIX, quando passaram a ingerir nos negócios da cidade, segundo seus interesses.
Com relação às epidemias que assolaram São Paulo especialmente Santos no século XIX é esclarecedor o ensaio de Rita Barradas Barata, “Cem anos de endemias e epidemias”. Nele a autora analisa a incidência das epidemias no Estado de São Paulo no final do século XIX até o século XX, procurando
 “articular as transformações ocorridas, desde o início do século, na sociedade paulista e as endemias e epidemias que acometeram a população de São Paulo, assumindo a teoria da determinação social do processo saúde-doença como referencial teórico. Esta opção implica entender a ocorrência das endemias e epidemias como produto social, da mesma forma que a produção do conhecimento científico relativo a elas e as respostas sociais, ou práticas sanitárias de controle” (BARATA p. 334)
Segundo JORGE (p. 181) nos primeiros anos da República houve grandes surtos de febre amarela, e as vítimas paulistanas eram todasrecém-chegadas de cidades epidêmicas como Santos, pela ferrovia, que atuava como disseminadora da doença: “A devastação da febre estava em proporção direta com a atividade comercial” (p. 181).

Principais Epidemias 1850 a 1908:
Doença
Ano de Ocorrência
Cólera:                            
1855
Coqueluche:                    
1861-64, 1912, 1915
Disenteria:                      
1869-70, 1888, 1890
Febre amarela: 
1853, 1857-61, 1869-70, 1872, 1873, 1876, 1878-80, 1889-1900
Febre tifóide:                 
1884-85
Impaludismo:                
1883-84, 1915-17
Peste bubônica:             
1899, 1900, 1901-03, 1906-07,
Sarampo:                       
1887, 1907,
Varíola:                         
1859, 1863, 1865, 1872, 1873-78, 1887, 1889, 1892- 94, 1897-99, 1904, 1906, 1908,
Fonte: Elaborado a partir de ALVARO, Guilherme. A campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos. edição do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo/Casa Duprat, 1919

Com relação ao combate às epidemias e preocupações com o sanitarismo, pode-se destacar a atuação de Vicente de Carvalho. A nível estadual, criou o Instituto Pasteur (Instituto Bacteriológico de São Paulo) para combater as epidemias no Estado e trouxe o sanitarista A. Fuertes para trabalhar no saneamento de Santos.
Em Santos a Junta Municipal de higiene foi criada em 1890, formada por médicos e engenheiros. Era presidida por Sóter de Araujo, ao lado de Silvério Fontes, Manuel Maria Tourinho e outros. Tinha como objetivo solucionar os problemas sanitários da cidade (Relatório do Intendente Municipal de 1891, p, 38). Em seu primeiro ano de existência esse grupo apontou o grande número de moléstias que afligiam a cidade e justificou que não fez mais por não dispor de dinheiro suficiente para tanto. Neste mesmo relatório a Junta fez uma análise dos problemas enfrentados[3] e elabora um plano de ações.
Esse Plano Geral previa como soluções: organização do serviço médico municipal; construção de um hospital de isolamento; condenação dos cortiços; construção de alojamento para os imigrantes e limpeza das praias, todos dados técnicos demonstram uma preocupação com os novos problemas enfrentados pela cidade.
A febre amarela foi uma das epidemias que mais danos causou à cidade. Modernas técnicas foram utilizadas para erradica-la.  A análise de documentação oficial, sobretudo do Código de Posturas de Santos no período, faz um retrato das condições insalubres da cidade e da maneira como a medicina social e urbana surge como solução. 
Cabe destacar a discussão sobre a necessidade do enterramento em locais abertos, a criação do cemitério público, por exemplo, e os conflitos daí decorrentes: “esta tensão não foi gerada única e exclusivamente por motivos religiosos ou de proteção à moral e aos bons costumes: a discussão se sustentava em problemas relacionados aos moradores acometidos pela Febre Amarela, doença a qual tinha por única solução o fim dos miasmas” (CARMO p. 06), fato que demonstra o aparecimento de uma preocupação mais racional com a configuração e desenvolvimento da cidade e sua relação com a saúde.
Tais dados apresentam uma mudança na atitude da Câmara e da população, que já começavam a percebero espaço urbano como “um objeto a se medicalizar” (CARMO p. 10)
Nesse sentido as práticas relativas à implantação dos hospitais, lazaretos, cemitérios e casas de misericórdia e as determinações médicas e arquitetônicas das cidades positivaram-se na legislação local, mormente nas Posturas Municipais.
Podemos perceber com a questão da saúde e das epidemias que assolaram Santos no fim do período Imperial e início do Republicano está intimamente relacionada ao urbanismo e ações na vida da cidade. A soma das más condições ambientais, terrenos alagadiços que não permitiam o escoamento da água e dos esgotos, o lixo produzido pelo grande número de habitantes que viviam em cortiços na pequena região da cidade e os detritos produzidos pelos animais de carga que serviam os armazéns, trazendo e levando produtos do porto, era ideal para a proliferação de doenças e dificultava seu tratamento.




[1]A expansão das áreas produtoras cafeeiras do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista privilegiou Santos como porto de exportação reduzindo os gastos e o tempo da viagem.

[2] Entre as causas dos problemas destaca a entrada de grande número de imigrantes pelo porto ó em 1890 ingressaram pelo porto santista 27883 imigrantes. (Relatório de 1891)
[3] Entre as causas dos problemas destaca a entrada de grande número de imigrantes pelo porto ó em 1890 ingressaram pelo porto santista 27883 imigrantes. (Relatório de 1891)

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