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A INTENDENCIA MUNICIPAL E A EDUCAÇÃO NA CIDADE DE SANTOS - PARTE 1

O presente trabalho tem por objetivo trazer os primeiros resultados de pesquisa a respeito da atuação dos Intendentes Municipais de Santos com relação à educação. No início da República, Santos, como as demais cidades e antigas províncias brasileiras, passou por grandes transformações políticas, culturais e socioeconômicas que trouxeram novas formas de ser e estar, bem como, novas representações sobre a vida na cidade.
A cidade de Santos transformou-se do ponto de vista administrativo organizando-se como Intendências[i], em substituição ao antigo modelo de Câmaras Municipais do período Imperial.
A nova forma de governo municipal – os Conselhos de Intendência – foi criada pelo Decreto 13 de 15 de janeiro de 1890. Tais conselhos eram compostos por de 3 a 9 membros, responsabilizando-se pela administração municipal. Um dos eleitos deveria ser escolhido para presidir o Conselho. Conforme o artigo terceiro da referida lei, competiam aos conselhos de intendência municipal:
§ 1º Fixar as taxas dos impostos existentes e crear novas fontes de renda.
§ 2º Orçar as receitas e despeza publica do município.
§ 3º Arrecadar a renda e ordenar asa despezas
§ 4º Contrair empréstimos, dentro das forças de sua renda.
§ 5º Ordenar e fazer executar todas as obras municipais.
§ 6º Prover sobre tudo quanto di respeito à polícia administrativa e econômica do município, assim como sobre a tranqüilidade, segurança, commodidade e saúde dos seus habitantes
§ 7º Alterar, substituir e revogar as actuaes posturas municipaes, decretar novas, si assim exigir o bem do município, podendo commninar penas de até 8 dias de prisão e 30$000 de multa, que serão aggravadas até 30 dias de prisão e 60$000 de multa.
§ 8º Supprimir empregos municipaes e crear novos, marcando os vencimentos; nomear e demittir empregados.
A administração da cidade[ii] era feita por um Conselho de Intendentes, escolhidos entre os vereadores eleitos, ou entre populares, para gerenciar Comissões, ou Intendências, responsáveis pelas diferentes áreas da administração pública, como por exemplo, Comissão de Fazenda e Contas, Justiça e Poderes, Obras e Viação. Estas comissões eram coordenadas por um Intendente Geral, escolhido entre os vereadores eleitos.
Nesse período houve a criação de diversas instituições educacionais na cidade, que contaram com a participação de diferentes estratos da população santista. Escolas de iniciativa
As três ultimas décadas do séc. XIX foram de mudanças em São Paulo, e Santos é um local privilegiado para percebê-las, devido do porto em expansão. Entre essas transformações estão a ferrovia, a infraestrutura urbana e o aumento de negociantes, partes do processo de crescimento do porto.
Santos tornou-se conhecida por seu porto, maior exportador do café do Brasil e também pelas lutas do movimento operário no século XIX e início do XX. O crescimento das atividades portuárias, notadamente relacionadas ao comércio do cafeeiro, foi uma das motivações para a vinda de pessoas de fora da cidade especialmente imigrantes para Santos.
O grande número de comerciantes, imigrantes e trabalhadores em Santos propiciou a circulação de pessoas e também a criação de locais de constituição e troca de ideias. Centros de nacionalidade, escolas de imigrantes, bibliotecas, Vilas operárias e jornais entre outros, eram locais privilegiados de encontro e de formação.
Com um número grande de imigrantes (44% da população) e com mais de 10486 operários com o setor de serviços mais desenvolvido (ferrovias e porto), embora as atividades industriais (976 operários) sejam secundárias, Santos tornou-se um dos pontos privilegiados do surgimento do movimento operário e das ideologias que o incentivaram. (PEREIRA, 1996 p. 84)
Por exemplo, foram diversas as escolas fundadas por grupos de imigrantes em Santos. Segundo Pereira (1996, p. 132), funcionaram no período estudado: o Colégio Alemão, Colégio Hispano-Português, Colégio Teuto Brasileiro, DeutscherSchulverein (Escola Alemã), e ainda as escolas da Sociedade Centro Hespanhol e da Societá Italiana diBeneficenza.
“Se a escola possibilitava a inclusão do imigrante na sociedade local, ela também possibilitava a inclusão da sociedade local na escola, oferecendo ensino gratuito e de acordo com o currículo nacional”. (BRASIL p. 07)
Existiram ainda associações e escolas próprias dos operários e trabalhadores santistas, que contaram em seus quadros com muitos imigrantes, como é o caso, por exemplo, da Sociedade União Operária, da Escola do Povo, da Sociedade Auxiliadora da Instrução e da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio. E além dessas, escolas confessionais, especialmente as Católicas, como o Colégio Marista, a escola Coração de Maria, dando sinais da diversidade de ideias e de interesses da população santista.
Com esta pesquisa procura-se compreender as ideias e práticas educacionais com as suas especificidades locais, no âmbito de um determinado contexto histórico:
Por meio de uma abordagem social, política e cultural, essa história privilegia percursos de intelectuais, localizando esses sujeitos no interior de um ambiente social, focalizando condições de produção, circulação e recepção de suas idéias, assim como, e principalmente, as condições históricas de produção do próprio sujeito como intelectual de seu tempo. (FARIA FILHO, et al. 2009, p.8)
Por meio da análise da situação da educação santista no período destacado, dos educadores e intelectuais e de suas ideias, pode-se entender o momento político da cidade. Diante disso, procurar-se-á entender como as representações dos homens responsáveis pelo governo da cidade, os Intendentes, influenciaram a educação, mas também como esta influenciou a cultura da época e as gerações seguintes.
O primeiro grupo de Intendentes eleitos em Santos[iii], em 1892, promulgou uma Constituição Municipal (1894). Entre eles estavam apoiadores da Revolta da Armada e apoiadores dos Movimentos Operários, como Manuel Maria Tourinho e Olympio Lima. Nesse embate podemos perceber sujeitos que tentaram colocar em prática suas concepções de república, além do confronto político e de ideias.
Essa Lei tinha notadamente caráter de autonomia para o Município frente ao poder do Estado, e também pontos considerados de vanguarda, como o voto feminino, a criação de um órgão para julgar casos de improbidade administrativa e o destaque dado à educação.
Uma das questões é saber se havia mesmo uma concepção “avançada” de república, de educação, ou “apenas” disputa por poder fixação de uma posição política. Os debates nas sessões da Câmara Municipal podem fornecer indícios que auxiliem na compreensão da educação no período.
Além dos intelectuais, na defesa de seus ideais educacionais para a cidade revelam-se disputas políticas e sociais entre os grupos, como os imigrantes, operários, comerciários e a própria elite comercial, que se “materializaram” na criação escolas: públicas, religiosas, ligadas a sociedades de auxílio mútuo, centros de imigrantes, entre outros.
A finalidade dessa análise é procurar conhecer a relação existente entre as práticas e as representações das ideias políticas e educacionais dos intelectuais santistas no período estudado, e a forma de intervenção social no período.
Ao transitar por diferentes tempos e espaços sócias, inscrevendo-se em determinadas redes de relações, esses intelectuais do século XIX e XX estavam imbuídos de diversas competências a partir das quais eles procuravam intervir no corpo social e, nesse papel, eles articulavam diferentes saberes e culturas. . (FARIA FILHO, et al. 2009, p. 12).
Grupos de políticos apoiados pelos poderes do Estado e do município se confrontavam por interesses políticos e econômicos. O Município buscava sua autonomia, enquanto o Estado utilizava-se de seus poderes constitucionais e prerrogativas legais para atuar de forma centralizadora
Essas tensões se revelam na criação de escolas. Por exemplo, o comerciante santista Barnabé Francisco Vaz de Carvalhal, deixou em seu testamento, em 1892, uma dotação para a criação de uma escola pela municipalidade. Contudo tal instituição só foi efetivamente colocada a funcionar em 1902, dez anos depois do legado e dois anos depois da criação do primeiro Grupo Escolar de Santos, o Grupo Escolar Cesário Bastos de 1900, por iniciativa do Estado de São Paulo . Além disso, apesar da crescente demanda e das diversas iniciativas particulares de criação de escolas o terceiro grupo escolar só foi criado em 1915.
Nesse sentido é esclarecedor o trabalho de Rosa Fátima de Souza (1998) que apresenta como no início da república a escola passa da esfera privada para a pública, na medida em que deixa de ser entendida como uma extensão da casa do professor, para prédios específicos para o fim da instrução:
“A casa-escola deveria refletir o papel social da instrução primária e os valores atribuídos à educação. Ela haveria de ser, antes de tudo, uma força moral e educativa(...) O edifício-escola deveria exercer, portanto, uma força educativa no meio social. (1998, p. 122-123)
Os textos têm contribuído no entendimento de como se dá a ideia de uma educação escolar, e da necessidade da criação de escolas. Essa discussão de um tempo e de um espaço próprios para a escola, pode se relacionar com a questão da construção de salas e prédios específicos para a educação em Santos, especialmente a Escola Barnabé e a Academia de Comércio de Santos, pontos de inflexão do meu trabalho.
Símbolos, ornamentos, monumentalidade: todos esses elementos da retórica arquitetônica dos primeiros edifícios dos grupos escolares exerceram uma função educativa dentro e fora da escola. Além disso, foram instrumentos importantes para a construção da identidade da escola primária. Devem, portanto, ser vistos como expressões do movimento da escola na construção das cidades e da cultura daquela época (SOUZA 1998, p. 138)
A questão dos prédios escolares, presente nos debates sobre a criação da Escola Barnabé[iv] e na criação da Academia de Comércio de Santos[v] mostra-se rica para entender a educação do período:
O edifício-escola, como se sabe, serviu de estrutura material para colocar o escudo pátrio, a bandeira nacional, as imagens e pensamentos de homens ilustres, os símbolos da religião, algumas máximas morais e higiênicas, o campanário e o relógio... Isso expressa toda uma instrumentação da escola a serviço de ideais nacionais, religiosos e sociomorais. (FRAGO, ESCOLANO, 1998, p.40)
Portanto, além dos debates políticos, cada grupo envolvido com a educação na cidade pode ter uma concepção do que é escola e qual sua importância para a cidade.
Na análise dos os documentos utilizados na pesquisa pode-se perceber um intenso debate nos primeiros anos da república, mas em determinado momento, uma verdadeira explosão na criação de escolas, muitas de iniciativa pública, sinalizando a importância social da escola e da educação.
Entre os anos de 1902 e 1907, o número de cadeiras de instrução primária administradas pela municipalidade aumentou de cinco para vinte e cinco. Em 1900 foi criado o Grupo Escolar Cesário Bastos, o primeiro da cidade, e, em 1902, o Grupo Escolar Barnabé. Surgiram ainda diversas instituições de diferentes grupos civis, umas mantidas por associações de auxílio mútuo, como a Sociedade União Operária e a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, outras por Centros de Nacionalidade como o Centros Espanhol, outras pensadas para serem escolas de formação profissional, como a Academia de Comércio de Santos e o Instituto Escolástica Rosa, além das escolas confessionais[vi].
A insuficiência da instrução dada à população já vinha sendo denunciada. Em artigo escrito no jornal Diário de Santos, datado de 20 de junho de 1894, o professor Carlos Escobar[vii], cobra a aplicação de recursos para a instrução primária da população. Ao se referir à intenção da Câmara de criar uma Academia de Comércio, critica o emprego de valores para a abertura de uma escola superior, quando, segundo ele, a instrução primária ainda era precária.



[i]Tal sistema de organização administrativa vigorou de 1889 com a proclamação da República até 1908 com a criação do instituo de Prefeito Municipal.

[ii] A maior parte das informações aqui apresentadas concernentes à Administração Municipal de Santos foram retiradas das Atas das sessões da Câmara Municipal de 1889 a 1895.
[iii] Foram eleitos: o médico Manuel Maria Tourinho, os jornalistas Antônio Manuel Fernandes, Olímpio Lima e Alberto Veiga, e ainda José André do Sacramento Macuco, José Caetano Munhoz, Alexandre José de Melo Júnior, João Braz de Azevedo, Antônio Vieira de Figueiredo e Augusto Filgueira; todos atuantes na sociedade de Santos e com participação ativa nos movimentos republicanos e pela abolição em Santos.

[iv] Uma das principais discussões era se o legado deixado pelo comerciante seria suficiente para construção do edifício da escola.

[v] Um dos argumentos para a criação da Academia foi a doação e prédio próprio pela Sociedade Auxiliadora da Instrução.

[vi] Relatório da Câmara Municipal de Santos, SP, 1908, p. 48.

[vii] Foi professor e Diretor dos Grupos Escolares Cesário Bastos e Barnabé, além de Inspetor Escolar.

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