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O AMBIENTE SANTISTA: TRANSFORMAÇÕES, PROBLEMAS E PROJETOS

Grandes transformações culturais e sócio-econômicas ocorreram em Santos na passagem do século XIX para o XX, e que trouxeram novas formas de ser e estar e novas representações[1] de vida na cidade.
Ângela de Castro Gomes ressalta a importância do estudo da cidade para compreender a trajetória dos indivíduos e de suas idéias político-sociais, tendo em vista as relações que articulam a cidade e seus intelectuais.
Nesta perspectiva, refletir sobre as características histórico-sociais de qualquer cidade é refletir sobre o conjunto de condições que delinearam o ambiente cultural em que se moviam e se ‘comunicavam’ seus habitantes, fossem eles chamados ‘homens comuns’, fossem, de forma especial, as elites políticas e intelectuais. (...) Esse espaço (a cidade) é, portanto, produto e produtor das ações dos atores individuais e coletivos que nela vivem... Investigar quaisquer manifestações culturais sob a ótica do urbano é trabalhar com a cidade enquanto um campo de possibilidades que delimita as escolhas realizadas por seus atores, dando a elas significados apreensíveis pelas próprias experiências por eles compartilhadas” (GOMES, 1999, p. 23).
Santos foi uma cidade atuante nos movimentos pela abolição dos escravos e pela república. As campanhas abolicionista e republicana começam na cidade em 1870 como no resto do país, mas se intensificaram em 1880, atingindo toda a população.
Temos importantes nomes reconhecidos nacionalmente na luta pela libertação dos escravos e pela república, como Xavier da Silveira, Augusto Fomm (fundador do primeiro partido republicano do Brasil), e Silva Jardim, um dos propagandistas mais radicais.
Um dos motivos que pode ter contribuído para a luta santista pela abolição foi a necessidade de mão de obra livre para o trabalho no comércio, mais adequada ao novo padrão capitalista que surgia.
Com relação à república, a indiferença do governo Provincial com relação aos problemas da cidade, notadamente as epidemias, foi um importante fator de acirramento e radicalização da campanha republicana.
 André Rosemberg, (2006, p. 194) entende que as características “sui generis” de Santos a fizeram uma “cidade de vanguarda do movimento abolicionista”. Compara Santos ao Rio de Janeiro, ambas cidades portuárias, sujeitas à movimentação de idéias que chegavam nos navios, e por isso palco do abolicionismo e da “luta pela liberdade” (2006, p.283)
Com relação às concepções da idéias de libertação dos escravos na cidade existiram duas diretrizes: a conservadora, das elites locais que pretendiam manter o controle dos libertos, agindo com paternalismo[2], “retribuição e troca”; e o veio popular, sem ligações com as elites, “descompromissados com o controle social” (ROSEMBERG, 2006, p. 196).
A corrente paternalista sobressaiu, e por esse motivo:
“Os moradores do Jabaquara, antigos ‘quilombolas’ tão ciosamente defendidos pelos bem-pensantes, começaram, logo após a abolição, a ser esquecidos. É por isso que, nos anos seguintes à Abolição, vamos encontrar os “quilombolas” do Jabaquara representando, além de seus papéis de trabalhadores subalternos e precários, os de massa de manobra nas lutas políticas da cidade, de empasteladores de jornais, de capangas a soldo de um ou outro ou, suprema ironia, de fura-greves da primeira e decisiva greve da estiva santista de 1891, encetada e derrotada, sem dúvida com a ajuda prestimosa de Quintino e seus fiéis seguidores” (MACHADO, 2007, p. 276)
Houve sucesso no movimento abolicionista, mas a republica ficou aquém do esperado pelos republicanos. Isso porque grupos ligados à população pretendiam participar ativamente do novo regime. No entanto houve forte ingerência do Governo Estadual e dos grupos a ele ligados nos negócios da cidade, originando conflitos entre os dois grupos.
O jornal “O Diário de Santos”, dirigido por Isidoro de Campos, favorecia o Partido Republicano Paulista de Cesário Bastos e “A Tribuna” de Olympio Lima, fazia a oposição alinhada ao Partido Municipal que defendia os interesses dos comerciantes locais. (GITAHY, 1992, p. 52)
Estado e município se confrontavam pela busca da autonomia da cidade e também por interesses econômicos. Nesse sentido é importante notar como o Estado utilizava-se de seus poderes constitucionais e prerrogativas legais para atuar de forma centralizadora com relação à cidade de Santos.
Essa limitação do poder local foi objeto de conflitos entre os próprios republicanos. A defesa dos interesses municipais, embora fizesse parte do projeto republicano, encontrava forte oposição entre os grupos federalistas radicais, entre representantes do grande capital cafeeiro (BERNARDINI, 2006, p. 21)
Havia interesses em comum entre estado e município, notadamente com relação ao crescente comércio portuário. Ambos pretendiam manter sua influência sobre as atividades comerciais e auferir vantagens, proteger seus aliados etc..
O sentimento de ‘ser santista’ aparece sempre nos momentos em que o poder estadual ou grupos econômicos pretendem intervir na cidade e revela as tensões existentes nas relações com o planalto. Expressa atitudes vistas pelas elites locais como reveladoras do descaso com que Santos seria tratada pelas autoridades centrais e aponta a força destas intervenções, que quando ocorrem são vistas como desrespeito à tradições locais ( LANNA, 1994 p. 45)
Os primeiros anos da república traziam para Santos dois grandes desafios: a erradicação das epidemias que por mais de sessenta anos assolavam a cidade, e a preparação da infra-estrutura urbana e humana para o aumento do comércio e a crescente exportação do café.




[1] Utiliza-se representações segundo a concepção de Chartier, ou seja, o modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada e dada a ler por diferentes grupos sociais. (CHARTIER 1990 pg. 16)
[2] Havia certo paternalismo em membros do movimento abolicionista santistas, que traziam os negros para a cidade, sem um verdadeiro projeto de emancipação, empregando-os nas atividades ligados ao comércio da cidade. É importante notar que certos abolicionistas como o Santos Garrafão, e o Major Pinheiro, enriqueceram empregando negros em seus negócios, (ROSEMBERG, 2006, p.207)

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